A moça chegou de mansinho na reunião da Pastoral da Mulher e, ao final, me perguntou se poderia ficar. Contou-me um pouco de sua história. Pergunto sempre de onde veio, porque me interesso pelas paisagens que as pessoas guardam sob as pálpebras, comumente tão diferentes das minhas. Interesso-me pelos olhos porque, embaçados ou não, são janelas que traduzem profundidades com dores e amores.
Nasceu em Buíque, Pernambuco, onde Graciliano Ramos viveu parte de sua infância. Município com economia baseada na pecuária leiteira e na agricultura. Buíque do Vale de Catimbau, que é o maior parque e o terceiro sítio arqueológico indígena do Brasil, atraindo estudiosos, turistas e adeptos dos esportes radicais. Uma terra de imensa beleza histórica, geográfica e cultural. Chapadões, vales, encostas, caatinga e matas estendem-se pelo parque de ecoturismo e as formações geológicas apresentam os mais diversos tipos e cores de arenito. Existem, dentro de sua área, perto de duas mil cavernas e 20 cavernas-cemitérios conhecidas, tendo uma variedade de inscrições e pinturas rupestres em diversos sítios.
Ela, contudo, apesar de trazer essas imagens todas de encanto, desejava conhecer São Paulo, aonde chegou aos 20 anos, em viagem de caminhão com um tio. Era somente para passear, mas, de imediato, conseguiu emprego que não teria em sua cidade natal. Logo em seguida, enlaçou-se com um cidadão que mais tarde constatou ser dependente químico com reações violentas, sem desejo de mudanças. Foi nesse período que se desequilibrou e caiu no comércio do sexo. A vontade maior, quando criança, sobre a qual não costumava falar com a família, já que precisava ajudá-los financeiramente, foi encoberta pela dureza e amargor do uso/abuso da venda do corpo.
Não sei por quantos anos foi assim. Está agora por aqui e lhe disseram das reuniões da Pastoral da Mulher. Integrou-se, apesar da distância do sonho de infância, para se sentir bem, cantar, rezar e ouvir a Palavra. O sonho declarou: quando pequena ansiava por ser religiosa. Está de volta à Igreja para se colocar na vontade de Deus.
Um detento manda, pela companheira, recado urgente da cadeia. Não quis aguardar a visita da Pastoral Carcerária no sábado. Quer saber se deve contar, ao Juiz, a verdade toda de seu delito. Pede a opinião e uma Palavra. Sem dúvida não deve mentir. “A verdade vos libertará”, diz o Senhor. Livre da falsidade, conseguirá reconstruir seus caminhos.
Sinais da claridade da manhã da Páscoa! E a Páscoa em plenitude poderemos viver, cada uma e cada um de nós, se tivermos a coragem de entrar nas trevas de nosso eu, rolarmos as pedras do coração e olharmos para o sepulcro de nossas entranhas com a lápide removida. Sem dúvida, nessa experiência, a nossa vida será como a de Maria Madalena: anúncio de que vimos o Senhor.
Feliz Páscoa, querida leitora, querido leitor, com a presença do Cristo ressuscitado.
MARIA CRISTINA CASTILHO DA ANDRADE- É coordenadora diocesana da Pastoral da Mulher e autora de “Nos Varais do Mundo/ Submundo” –Edições Loyola
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