- É poveiro!
Dizem com orgulho os da Póvoa.
- Não senhor: é vila-condense!
Contestam os de Vila do Conde.
Mas, os aveirenses asseveram:
- Ambos estão equivocados: nasceu em Aveiro!
- Como pode ser isso?! - Interroga o leitor, - e mais pasmado ficará se lhe disser que nem Eça de Queiroz sabia!
“Eu sou apenas um pobre homem da Póvoa do Varzim” - declara Eça em carta a Pinheiro Chagas, datada de 14/12/1880; e confirma ao matricular-se na Universidade de Coimbra; mas a certidão de casamento e os documentos que apresentou para candidatar-se à carreira diplomática, declaram ser natural de Vila do Conde.
Mas mais baralhado se fica ao ver a certidão de óbito, escrita em francês, confirmar: “né à Aveiro”; afirmação que também fez na carta que escreveu a Oliveira Martins, no ano de 1884: “Filho de Aveiro, educado na Costa Nova, quase peixe da ria…”
Onde está a verdade?!
Tudo começou em Viana do Castelo. O Dr. José Maria d’Almeida Teixeira de Queiroz, representante do procurador régio da Vila de Ponte do Lima, manteve intima relação com a órfã Carolina Augusta Pereira d’Eça, de 19 anos, que residia em Viana do Castelo com a mãe, viúva do tenente-coronel José António Pereira d’Eça. Desses amores nasceu o romancista.
Para ocultarem a maternidade assentaram levar a menina para a residência da irmã, D. Augusta Emília Amélia Pereira d’Eça, casada com Francisco Augusto Pereira Soromenho, que morava na Praça do Almada, na Póvoa do Varzim, onde, por certo, a 25 de Novembro de 1845, nasceu Eça.
No sexto dia, após o nascimento, a ama levou-o à Igreja Matriz de Vila do Conde para ser baptizado pelo Padre Pedro António da Silva Coelho. O assento, da cerimónia, foi escrito pelo Prior Domingos da Soledade Sillos.
A estranha certidão declara que é filho de José Maria d’Almeida Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita. E acrescenta, que o pai não esteve presente.
Tem o documento, carta anexa, endereçada à mãe e escrita pelo pai da criança, que diz: Por recomendação do avô paterno a criação do menino fica a seu cargo e promete, oportunamente, matrimoniar-se com a mãe do bebé.
Terminada a cerimónia, Ana Joaquina Leal de Barros, ama do menino, levou-o para sua casa e com ele vive, em Vila do Conde, durante quatro anos.
Entretanto, a 3 de Setembro de 1849, o pai, advogado em Viana do Castelo, casa, na Igreja do Convento Santo António, com D. Carolina Augusta, mãe de Eça; sete meses passados (7 de Abril), avó do futuro escritor morre em Aveiro, na casa de Verdemilho.
Pouco depois a ama de Eça, faleceu e o menino é entregue ao cuidado da avó paterna, a Sr.ª D. Teodora Joaquina d’Almeida.
Gondim da Fonseca em “A Tragédia de Eça de Queiroz”, revela que José Maria foi visto, ainda bebé, em Verdemilho, e não é de admirar, visto os avós paternos ai residirem.
Como falecesse em 1855 a avó, os pais de Eça, resolveram matriculá-lo no Colégio da Lapa, no Porto, cujo director era o pai de Ramalho Ortigão, ficando a residir na Rua de Cedofeita com D. Carlota Pereira d’Eça, irmã da mãe.
Se o nascimento, por razões óbvias, havia sido escondido, não se compreende o motivo porque não veio, agora, residir com os pais, já que eram casados e do enlace haviam nascido três filhos, irmãos de Eça.
O pai vivia no Porto, era Juiz do 2º Distrito dessa cidade. Nada impedia de o considerar filho legitimo do casal ou pelo menos deixá-lo passar os fins-de-semana em sua casa.
Verdade é que D. Carolina Augusta, estranhamente, não mostrava interesse em legalizar a situação. Se aceitou casar foi devido à insistência da mãe.
Mas, uma vez realizado o matrimónio e mãe de três filhos, o que a impedia de o legalizar?!
Só após o filho a forçar, quando se ia casar com a filha da Condessa de Resende, a 10 de Fevereiro de 1886, é que o fez a 25 de Dezembro de 1885
Eça escusava-se a entregar a certidão de baptismo a sua noiva. Numa carta endereçada ao noivo, D. Emília, escreve: “A mamã recomenda-lhe que traga a certidão de Baptismo e de solteiro, e não só a mamã lho recomenda, mas também eu, e o Gago e o Cónego Guimarães, porque sem isso não podemos casar.”
O enlace, que teve o consentimento da família da noiva, foi realizado quase em segredo. Presentes o padrinho, Ramalho Ortigão, a Condessa do Covo, a mãe e o irmão da noiva.
E os pais do noivo?!
Não apareceram. Dizem que o pai estava doente. Mas é estranho a razão dos proclamas só correram em seis freguesias portuenses?!
Os pais de Eça estavam casados, o filho era escritor famoso, embaixador de Portugal, portanto não desluzia o brasão da ilustre família da noiva nem os progenitores.
É de notar que quando o editor o informou que pretendia publicar a biografia, Eça ficou perturbado e apressou-se a escrever a Ramalho.
Em carta, datada de Newcastre, declara que receia que se venha a investigar o nascimento e pede ao amigo para que faça essa biografia e recomenda: “biografia sem elogio é o motto. Se se tratasse de um artigo para uma revista, eu então francamente proporia outro Motto: - Elogio sem biografia.”; e noutra passagem: “ Dados para a minha biografia - não lhos sei dar. Eu não tenho história, sou como a república do Vale de Andorra.”
Receava Eça que o editor solicitasse dados biográficos a Gervásio Lobato, casado com sua prima, Maria das Dores Pereira d’Eça e Albuquerque.
Em Vila do Conde consta que Eça nasceu no solar de Pizarro Monteiro: No livro “A Sombra de Eça e de Camilo”, Manuela de Azevedo refere-se a esse segredo, nunca confirmado, que a família conhecia, mas não divulgava.
Para remate é bom frisar que o pai do escritor, não esteve presente: no baptismo, no casamento, nem no funeral!
Qual a razão?! Já que o pai correspondia-se com ele! O que impediria a uma mãe, a um pai, casados legalmente, de reconhecerem o primogénito?!; famoso romancista, embaixador em Paris e ligado por laços matrimoniais à ilustríssima e nobre família dos Condes de Resende?!
Será que um dia é revelado? Já que o mau feitio da mãe, não é explicação para tal procedimento.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto,Portugal
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