No artigo anterior falei sobre o consumo enquanto fator gerador da violência, e neste sentido, a questão do “superendividamento” é o fenômeno atual, objeto de estudo no maior órgão público de defesa do consumidor do Brasil.
O ser humano tem desejo de consumo, indistintamente a que classe ou estrato social ele pertença. O que o difere é a questão do poder aquisitivo, ou seja, quem tem mais, consegue adquirir mais, quem tem menos... Bem, imaginemos que quem tem menos assiste às mesmas publicidades televisivas de quem tem mais. E ainda: tem acesso às mesmas tentações consumistas de quem tem renda superior.
Quem ganha um, dois ou três salários mínimos deseja um celular de mil e quinhentos reais, porque lhe é oferecida uma possibilidade de obter este produto, mesmo não tendo renda compatível. A sedução da publicidade enlaça aquele cidadão que, por sua vez, talvez guarde naquele desejo ilusório, uma tentativa de realização ou felicidade. Este desejo é transferido ao objeto.
No entanto, o que ocorre é que um aparelho celular neste valor é desnecessário àquele consumidor, tampouco faz parte de seu universo. Mas ele deseja ter o que outros têm. Por três razões, no mínimo: encontrou facilidade em comprar tal bem; identifica-se e quer aquilo que a classe melhor remunerada possui; e é incapaz de resistir ao que o mercado lhe impõe – de maneira magistral – por meio da publicidade.
Ah, o que seria das empresas sem os publicitários...
Pois bem, este cidadão contrai uma dívida de cem reais ao mês, ganhando um salário de novecentos reais. No mês seguinte, não resistindo à tentação, resolve comprar um televisor de tela plana, adquirindo nova dívida, e a conta que sua mente faz é sobre seu salário e não sobre o que restou dele, tendo em vista a parcela mensal que terá de pagar em razão da dívida anterior. Este é o famoso efeito “bola de neve”. Quando o cidadão se dá conta, está com quatro ou cinco carnês para pagar. Nem é preciso dizer que, fora o desnecessário – isto é, a compra por impulso – resta a ele pagar o plano de saúde, a conta de luz, telefone, água, o mercado e... bom, se ele tiver uma TV a cabo e um computador, certamente mais despesas ele terá.
No final das contas, este cidadão – que tem família – terá, provavelmente, mais produtos e serviços em casa, do que alguém que possui renda maior e vive sozinho.
Parece-me que, neste sentido, o consumo deixa de ser o fator gerador da violência, e esta, sim, é geradora de um consumismo desenfreado, que beira o patológico.
Violência é, pois, o telefonema que o cidadão recebe em sua casa, tarde da noite, porque o atendente de telemarketing (vítima, por sua vez, do desemprego) não o encontra durante o dia; também é violência nos depararmos, nos intervalos comerciais, com publicidades que nos enquadram dentro do que é tido como correto ou não, dependendo do que a moda dita. E também neste conto o pobre consumidor cai. É violência, ainda, tudo a que a criança é submetida, seja na escola, diante da TV, no shopping center e, especialmente, no computador. Como preservá-la da violência? Como apontar a ela que o que é retratado numa publicidade não é um conto de fadas e sim uma agressão.
Tarefa difícil, pois primeiro é necessário explicar o que é um conto de fadas para, posteriormente, tentar se chegar à realidade. E como aproximar a criança e o adolescente da realidade, se parecem viver tão distantes?
Em palestra, a especialista em defesa do consumidor, Ângela Frota, membro do Centro de Formação de Direito do Consumo de Coimbra, Portugal, lembrou que a criança tem direito à informação (como qualquer consumidor) e “a informação previne a lesão”; e que a criança pode exprimir livremente sua opinião, que será considerada nos assuntos que lhe digam respeito, em função de sua idade e maturidade.
Sabemos que existem crianças querendo ser adultas antes da hora. Isto também é consequência de uma violência, violência esta gerada por um sistema competitivo e capitalista, cuja base reside nos meios eletrônicos, que acarretam problemas de ordem mental, moral e física.
Neste campo, muito há que ser explorado. Numa próxima oportunidade discorrerei a respeito.
Renata Iacovino, escritora, poetisa e cantora
reiacovino.blog.uol.com.br /
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