O tempo de Natal, além de seu sentido imenso, me traz emoções íntimas. Recordo-me dos bonecos de neve em isopor e das caixas de camisa encapadas com motivos natalinos, que, dos meus 13 aos 16 anos, uma mulher vista, na época, como desonrada e, por isso, com os passos sob olhares de desprezo, me ensinava. Penso, hoje, que, nas dobras perfeitas dos papéis coloridos e brilhantes, nos enfeites, com silhuetas de presépio, confeccionados por suas mãos e em cada detalhe, desde a cartola dos bonequinhos, havia a profecia de que, em algum momento, eu desceria da coluna que edificara para mim, veria o mundo sem máscaras, aprenderia a não julgar mulheres e homens, compreenderia que as pessoas todas - independentemente da situação em que estejam – carregam virtudes e misturaria a história de diversos excluídos com a minha e a minha com as deles. E essa “profecia” começou a se realizar 12 anos depois de quando me despedi dela no sepulcro ao lado de uma quaresmeira. Ela não resistiu aos desenganos. Em um instante, levada pelo desvario, enterrou consigo as mãos e as considerações que a sufocavam.
As assistidas da Pastoral da Mulher, ao comentarem sobre os natais de outrora, derramam em lágrimas o coração. Dizem das perdas: mãe, pai, filhos, sobrinhos, irmãos e da distância dos familiares, os quais não poderão abraçar em 25 de dezembro. São rebentos também da migração interna. Trazem-lhes de lugares distantes com aceno da esperança, confinam-nas para a venda e as condenam ao desengano e à decadência nas ruas. Quando conseguem, a mulheres falam das festas que nunca tiveram e das bonecas que não chegaram por habitarem na miséria. Mocinhas ainda, no intervalo dos que costumavam comprar seus corpos, pulavam dias, como o de Natal, no álcool, no pó e na pedra.
Carrego, igualmente, as ausências de presença humana impossível, como a de meu pai e até mesmo de familiares, de quem carrego saudade e que conheci apenas pelos relatos e fotos. Apesar disso, possuo, dos meus natais de outrora, a imagem de bonecas, brinquedos e o mais importante: a retirada dos excessos, da superficialidade, dos ruídos vazios, da insensatez, para que O Menino estivesse no centro da mesa e em todos os encontros e reencontros das festas em comum; para que O recebêssemos, durante a Missa, na manjedoura do coração.
Após, com as assistidas da Pastoral, refletirmos sobre os cacos, os retalhos que cada uma traz em seu interior, uma das integrantes, em momento de oração, glorificou a Deus pelos acontecimentos de 2008 em sua vida e na vida dos filhos e dos netos. Glorificou a Deus, em tempo de advento, pelo Natal de um tempo novo em sua vida. É mulher pobre, não mais na prostituição, assalariada como faxineira, com tempo de infância no lençol do pai.
Quando se acolhe o Senhor, as lembranças tristes mantêm-se, mas as mágoas se esvaem. Quando se acolhe o Senhor, feridas se fecham e a alma canta: “GLORIA, GLORIA IN EXCELSIS DEO! VENITE ADOREMUS. DOMINUM”.
MARIA CRISTINA CASTILHO DE ANDRADE - Professora, coordenadora da Pastoral da Mulher na Diocese de Jundiaí - SP - Brasil. Agente da Pastoral Carcerária e autora de " Nos Varais do Mundo/Submundo" - Edições Loyola
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