PAZ - Blogue luso-brasileiro
Quinta-feira, 24 de Novembro de 2022
ALEXANDRE ZABOT - A IGREJA E A ASTRONOMIA

 

 

 

 

 

 

Alexandre Zabot

 

 

 

 

 

 
Como astrônomo sou suspeito ao afirmar que a Astronomia é uma das mais belas ciências que existe. Entretanto, penso que é fácil concordar comigo quando se observa a maravilha de um céu estrelado e nota-se os olhos brilhantes de encanto de crianças e adultos diante de explicações sobre o que se vê. Me causa imensa satisfação constatar que também a Igreja tem admirado e estimulado a Astronomia ao longo dos séculos. Não que isto seja parte de sua missão. Ninguém espera isto da Igreja, mas é bom saber que através de muitos leigos e sacerdotes o conhecimento astronômico tem estado sempre presente nos ambientes eclesiásticos.
Está muito errado quem pensa que a Igreja é refratária à Astronomia e a tem perseguido. Sobre isto há um excelente artigo publicado em “History of Astronomy: An Encyclopedia” (História da Astronomia: Um Enciclopédia, em uma tradução livre). O artigo foi escrito pelo sacerdote beneditino e físico Stanley Jaki, muitíssimo respeitado nos meios astronômicos e eclesiásticos, falecido em 2009. Nele Jaki conta com profusão de detalhes, mas num texto muito agradável, todos os fatos que envolveram a questão heliocêntrica e também alguns aspectos do caso Galileu. Acostumado a lidar com estas questões em suas disciplinas e palestras sobre o tema, o sacerdote sabe ir cirurgicamente às questões mais polêmicas do assunto e mostrar onde o senso comum falha e onde a história é distorcida.
Jaki não deixa de listar os vários casos de sacerdotes que eram astrônomos e suas principais contribuições à ciência. Eu e o Márcio já falamos de vários deles, Christopher Clavius, Giuseppe Piazzi, Angelo Secchi, Georges Lemaître, George Coyne, etc., isto para citar somente os mais famosos. O autor ainda faz uma afirmação importante: não devemos cair na ilusão de pensar que uma lista destas é exclusiva da Igreja Católica. Ele mesmo lembra de muitos nomes importantes que eram de outras igrejas ou mesmo agnósticos e ateus. O propósito deste tipo de lista é mostrar que há uma enorme diversidade entre os cientistas e que a Igreja não se opõe à ciência, o que já sabemos.
Entretanto, ao mesmo tempo que não se opõe à ciência, também não é papel da Igreja fazer ou ficar promovendo a ciência o tempo todo. Disto nos lembra o Pe. Lemaître quando recordamos sua resposta a alguém que perguntava se a ciência era necessária à Igreja: “Certamente que não, a cruz e o evangelho bastam-lhe. Mas ao cristão nada de humano é alheio. Como poderia a Igreja desinteressar-se da mais nobre das ocupações estritamente humanas: a busca da verdade?”
Sempre que penso nas relações da Igreja com a Astronomia, não tenho como deixar de lembrar do Observatório Astronômico do Vaticano pois o próprio Vaticano, através da ação de muitos papas, mantém um Observatório Astronômico, ou Specola Vaticana em italiano, como é geralmente conhecido. Este observatório, edificado no coração da Igreja, é prova viva, testemunho eloquente, da relação de amor da Igreja e de seus membros, pela ciência. E de que esta, quando livre de uma hermenêutica materialista, está de pleno acordo com a fé católica.
Segundo o padre Sabino Maffeo S.J. no livro “In the service of nine popes” (A serviço de nove papas, em uma tradução livre), a Specola Vaticana remonta ao ano de 1582, quando o papa Gregório XIII reformou o calendário juliano. O observatório, entretanto, não foi criado oficialmente naquele ano. Em várias épocas papas se interessaram pela astronomia e criaram observatórios. Mas foi em 1891, o papa Leão XIII fundou formalmente a Specola Vaticana através do Motu Proprio, Ut Mysticam. Segundo ele, a Specola Vaticana serviria para “que todos pudessem ver que a Igreja e seus Pastores não se opõe à verdadeira e sólida ciência, humana ou divina, mas abraçam-na, encorajam-na e promovem-na com a máxima dedicação possível”.
Inicialmente, a Specola Vaticana ficava dentro do próprio Vaticano, na Torre dos Ventos. No final do século XIX a luminosidade em Roma não era muito grande, e aquele era um excelente lugar. É imprescindível para os astrônomos que o telescópio esteja em um lugar com céu bem escuro a noite. Cidades luminosas impedem que se observe objetos mais fracos. Em 1933 Roma já tinha os céus claros demais para permitir uma pesquisa séria. O papa Pio XI ofereceu a residência papal de verão em Castelgandolfo, que fica a poucos quilômetros de Roma e tinha condições excelentes de observação. Em 1980, novamente os céus já eram claros demais para os jesuítas fazerem suas pesquisas. A Specola Vaticana continuou em Castelgandolfo, mas boa parte de seus pesquisadores se mudou para Tucson, nos EUA, onde foi formado um grupo de pesquisa. Esta mudança foi encorajada e apoiada pelo papa João Paulo II. Lá, em colaboração com a Universidade do Arizona, este grupo pôde cooperar com outros astrofísicos e usar vários telescópios americanos. Em 1993 foi inaugurado nos EUA um grande telescópio para uso dos astrofísicos da Specola Vaticana. Foi um grande salto em produtividade de pesquisa, visto que antes eles precisavam usar outros telescópios.
Entretanto, a pesquisa de ponta em astrofísica não é a única atividade dos jesuítas da Specola Vaticana. Também é missão deles servir à Igreja, testemunhando no mundo sua boa relação com a ciência. Eles fazem isso escrevendo artigos, dando palestras em universidades e institutos de pesquisa e organizando eventos. Ano passado, eu tive o privilégio de poder participar de um destes eventos. A cada dois anos é realizada a “Escola de Verão do Observatório do Vaticano”. Cerca de duas dúzias de estudantes de astrofísica de todo o mundo são selecionados para passar 1 mês em Castelgandolfo, tendo aulas sobre algum tema de vanguarda em astrofísica. Tive a sorte de ser escolhido para participar de uma estas escolas em 2007. Assim como eu, a maior parte dos estudantes era de países subdesenvolvidos e não tinha condições de arcar com os custos. Por isso, o Observatório do Vaticano financiou as despesas.
O Observatório Astronômico do Vaticano nasceu do desejo de Leão XIII de mostrar ao mundo todo que não há oposição entre a fé e a ciência verdadeiras. Muitos outros papas também desejaram isto e deram esta missão aos padres jesuítas que constituem a Specola Vaticana. Creio que também esta deva ser a missão de todos nós católicos, pois o conhecimento científico serve à fé, ajudando a revelar na beleza da criação, o Criador.
 

03/2012
 
 
 

ALEXANDRE ZABOT   -    Fisico. Doutorado em Astrofisica. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina.   www.alexandrezabot.blogspot.com.br

 


publicado por Luso-brasileiro às 10:46
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