Encontrei no meu computador um velho arquivo, no qual há muito não mexia. Trata-se de uma coleção de reflexões humorísticas politicamente incorretas, que fui elaborando e anotando ao longo dos anos, à medida que me vinham ideias à cabeça. Nem tudo é publicável, obviamente... Mas aqui vão algumas amostras:
* As formas de governo são três, monarquia, aristocracia e demagogia barata. Esta última, de barata só tem o nome, porque normalmente é a que sai mais cara para os contribuintes.
* Democracia é o regime em que a metade mais um tem o direito de livremente oprimir a metade menos um durante um tempo pré-determinado que quase sempre se consegue um jeitinho de espichar.
* A falsa democracia é a mais cruel forma de ditadura: é a ditadura do número sobre a qualidade.
* É preciso respeitar todas as culturas? Tudo bem, mas também as faltas de cultura?
* O pior da ditadura não é o fato de oprimir o povo inteiro, mas é oprimir a pequeníssima minoria dos que realmente pensam e, portanto, são de fato livres. Só esses sofrem com a opressão. O resto nem sente.
* Em igualdade de condições homens e mulheres são completamente diferentes. Ainda bem!
* Segundo influentes políticos de várias regiões do Brasil, a grande injustiça da seca do Nordeste é que só os políticos nordestinos podem se beneficiar dela.
* Escola pública é o local em que os analfabetos funcionais são produzidos em série pelos funcionários do analfabetismo.
* As escolas públicas só funcionarão bem quando todos os funcionários públicos (desde o presidente da república até o mais modesto dos servidores municipais) forem forçados, por lei, a só matricular em escolas públicas seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos, legítimos e ilegítimos, reconhecidos ou não... mas sem poder escolher “ilhas de excelência” do ensino público. Deveria ser obrigatório estudar na escola pública mais próxima da respectiva residência, seja ela qual for.
* O SUS só funcionará quando todos os governantes, desde o presidente da república até o mais modesto, assim como os seus parentes ascendentes, descendentes e colaterais, até à 99a. geração, forem obrigados a se tratar pelo SUS, ficando terminantemente proibida a utilização de quaisquer outros planos de saúde e a contratação de médicos, hospitais ou clínicas particulares sob pena de imediata e inapelável cassação de mandato e prisão perpétua com trabalhos forçados, bola de ferro no pé etc. etc. etc.
* O mal das medidas provisórias é que elas quase sempre se eternizam. E o mal das medidas excepcionais é que elas tendem a se tornar regra geral.
* A forma mais democrática de eleição é por sorteio. Se todos são iguais e ninguém é melhor do que ninguém, por que não sortear, entre todos os brasileiros, um presidente da república? A grande vantagem é que, de repente, seria sorteado alguém honesto.
* O voto não deveria ser secreto, mas apenas secreto pela metade. Deveria haver um jeito de cada eleitor poder comprovar em quem votou. E a escolha eleitoral deveria deixar de ser uma procuração irrevogável vigente por quatro anos. Deveria passar a ser revogável. Se um eleitor se desiludisse com seu candidato, por achar que não cumpriu suas promessas, poderia a qualquer momento poder anular o seu voto. O governante ou o parlamentar que, durante os quatro anos de seu mandato, perdesse eleitores desiludidos deveria, conforme o caso, ser deposto e dar lugar ao seguinte, na ordem da votação. Será que funcionaria?
* Num país monárquico, o poder é vitalício. Pela lógica, numa república decente ele não poderia se prolongar. Assim sendo, deveriam ser proibidas reeleições de qualquer espécie (nem de presidente, nem de governador, nem de prefeito, nem de senador, nem de deputado, nem de vereador, nem de síndico de prédio, nem de sogra). Qualquer cargo público, uma vez exercido num período de quatro anos, deveria incapacitar o seu titular para exercer qualquer outro cargo. O ex-qualquer-coisa deveria voltar, sem apelação, para o batente, para o trabalho duro. No máximo poderia incluir, no seu currículo, o cargo ou posto que exerceu, e nada mais.
* Proposta de alteração na lei de proteção ao consumidor: a cada vez que um fornecedor de qualquer natureza responda (por qualquer meio que seja) a uma queixa ou reclamação escrita com resposta padronizada genérica, sem entrar na análise dos pormenores e especificidades expostos pelo queixoso, entende-se a omissão como confissão de que tudo quanto foi afirmado na queixa e não contestado objetivamente na resposta é verdade. E ficam dobradas todas as penas, indenizações e multas cabíveis.
* Os bancos deveriam ser obrigados a pagar aos clientes, pelo saldo positivo de suas contas bancárias, um mínimo de 50% dos juros que cobram deles quando entram no cheque especial. Nada mais justo e equitativo, não é mesmo?
Mais alguns pensamentos politicamente incorretos
Prossigo o artigo anterior, transcrevendo mais alguns trechos do meu projeto de livro humorístico impublicável, com pensamentos politicamente bem incorretos:
* FHC declarou ser louco por uma boa buchada de bode. Compreende-se. Depois de tantos anos comendo em Paris o amargo caviar do exílio, devia estar mesmo querendo variar o menu...
* Deveria ser proibido arredondar preços de qualquer produto comercial para cima. Se alguém quer anunciar um produto por R$ 9,99, deve providenciar estoque suficiente de moedinhas de um centavo. Ou então arredondar para menos. Qualquer violação a essa lei deveria ser punida com extrema severidade. Deveria ser também proibido o troco com balinhas ou chicletes.
* Por que ninguém fala de instituir quotas para gordos(as) e feios(as), como artistas principais em filmes e telenovelas? Já não está na hora de acabar com as discriminações injustas de que são vítimas esses excluídos da moda?
* Por que os aviões cobram mais para os altos, que precisam de mais espaço entre as cadeiras? E por que não colocam cadeiras mais largas para os gordinhos e as suas congêneres femininas?
* Seria preciso ampliar urgentemente o vocabulário politicamente correto. Se anões são "prejudicados verticalmente" e cegos são "deficientes visuais", os gordos deveriam ser "beneficiados latitudinalmente" e os feios poderiam ser chamados "modelos de beleza atípica" ou "modelos esteticamente alternativos", os gagos poderiam ser chamados de “reiterativos silabares”, os paralíticos de “hiperestáveis”, os burros de “portadores de inteligência não espandida” etc. Aceitam-se sugestões para um futuro dicionário.
* Em monarquias, o poder é hereditário. Nas repúblicas coerentes, isso devia ser proibido. Por isso, filhos, netos e sobrinhos de eleitos deveriam ser inelegíveis. Alcançaríamos assim a autenticidade democrático-republicana, evitaríamos a praga dos políticos profissionais e, de quebra, liquidaríamos o nepotismo.
* O grande problema dos igualitários é que eles se julgam mais iguais que os outros e querem privilégios desiguais.
* Os governos existem, em princípio, para prestarem serviços ao povo. Se é assim, por que não aplicar ao governo a Lei de Proteção ao Consumidor, que vigora para todos os prestadores de serviço do país (menos governantes, funcionários públicos e banqueiros)? O ônus da prova não deveria caber sempre ao cidadão, mas ao órgão público. Isso em todos os níveis, desde a Receita Federal até o azulzinho que multa o motorista. A "otoridade" é que teria que provar que o particular andou mal, em vez de o cidadão honesto ser obrigado a provar que andou bem. Por que sempre se parte do princípio de que o Estado tem razão e o particular é suspeito? Não devia ser exatamente o contrário? A presunção não deveria ser em favor do particular, ao invés de ser em favor do Estado?
* Toda constituição tem cláusulas pétreas, "imexíveis", de pontos dogmáticos que não podem ser alterados. No caso das constituições republicanas, a cláusula pétrea antimonarquista só caiu na constituição atual, de 1988. Antes disso, institucionalmente era crime ser monarquista.
Na atual constituição, há clausulas pétreas, por exemplo, o famoso artigo 5, sobre os direitos fundamentais do homem. Ele pode ser aumentado, mas não pode ser objeto de nenhuma emenda restritiva. Isso é cláusula pétrea. Que tal uma cláusula pétrea constitucional proibindo qualquer mandatário político, em qualquer nível, de obter qualquer tratamento preferencial ou privilégio em função desse cargo? Por exemplo, todos os deputados seriam obrigados a usar serviços públicos de saúde, a matricularem seus filhos em escolas públicas, renunciariam, como condição para ser eleitos, a foros privilegiados, a prisões especiais, a esquemas de segurança pagos pelos cofres públicos etc. etc. Será que se houvesse uma cláusula pétrea dessas a Política não atrairia gente honesta e idealista?
* No regime monárquico havia uma classe privilegiada (a nobreza) da qual se exigiam responsabilidades especiais, como contrapartida pelo seu privilégio de não pagar impostos. Eram obrigados ao "imposto do sangue” (somente os nobres podiam ser recrutados para a guerra), não podiam exercer atividades comerciais (privilégio exclusivo da burguesia plebeia, que, em contrapartida, tinha que pagar impostos). Enfim, era um sistema desigual, mas equilibrado de direitos e deveres. Hoje, os políticos teoricamente são iguais a todos nós, mas na realidade são privilegiados que só têm direitos e prerrogativas, não têm deveres de espécie alguma. Antes os nobres tinham o dever moral de dar bom exemplo à sociedade. Nem sempre davam, mas quando não davam tinham vergonha de sua atitude. Hoje os políticos parece que têm o dever moral de dar mau exemplo e têm vergonha quando não conseguem exibir, em seus currículos, algumas fichas bem sujas...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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