Leio no noticiário de hoje que a infeliz Venezuela, vitimada pelo socialismo bolivariano, cortou mais 5 zeros de sua moeda, que passa a ser denominada “bolívar soberano”, para diferenciar do “bolivar forte”, que por sua vez desde 2008 possuía 3 zeros a menos que o velho “bolivar”.
Qualquer brasileiro de pouco mais de 60 anos de idade já conviveu, neste Brasil republicano, pelo menos com sete padrões monetários oficiais, sem falar nos paralelos: o velho cruzeiro, até 1965 (ainda chamado informalmente, pelos mais antigos, de “mil-réis”, de onde derivou a corruptela “merreca”, ainda em uso hoje); em seguida, o provisório cruzeiro novo, com 3 zeros a menos; depois, de novo o cruzeiro "tout court", até 1986, quando Sarney o podou em outros três zeros e o transformou no cruzado; este, por sua vez, seria novamente podado e rebatizado como cruzado novo em 1989; já no ano seguinte, 1990, por um novo avatar, o cruzado novo de novo se metamorfoseou no cruzeiro, que em 1993 se transformaria, com 3 zeros a menos, no “cruzeiro real”. Em 1994, com a dolarização da economia, entrou em cena a URV, que vigorou por alguns meses e se transmutou, ainda em 1994, no real, que começou valendo mais do que o dólar e hoje, vinte e quatro anos depois, vale menos que 30% da moeda norte-americana (apesar de esta também ter perdido valor, em termos efetivos, no mesmo período).
O que foi a inflação maluca do Brasil é algo difícil de conceber. No início do Plano Real, quando se sepultou a velha moeda republicana, o economista João Sayad celebrou: “Aqui jaz a moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento. Sim, inflação de 16 dígitos, em três décadas. Ou precisamente, um IGP-DI de 1.142.332.741.811.850%. Dá para decorar? Perdemos a noção disso porque realizamos quatro reformas monetárias no período e em cada uma delas deletamos três dígitos da moeda nacional. Um descarte de 12 dígitos no período. Caso único no mundo, desde a hiperinflação alemã dos anos 1920.” (Observações sobre o Plano Real. Est. Econ. São Paulo. Vol. 25, p. 7-24, 1995-96)
Desvalorizado ou não, fato é que o atual real já está durando há 24 anos... Para uma moeda da república brasileira, é um prodígio de longevidade. O preço que está custando essa longevidade é alto, é mesmo altíssimo para o contribuinte brasileiro. Recessão, desemprego, falências e concordatas em série, altíssimas taxas de juros...
Desde a década de 1960, incontáveis notas de formatos, cores e caras diferentes circularam por este Brasil. Apareciam, circulavam um pouco e iam perdendo rapidamente valor, corroídas pelo câncer implacável da inflação. Poucos anos ou poucos meses depois de lançadas, já estavam esquecidas, já eram desprezadas por todos, até mesmo pelos colecionadores, porque já eram velhas para serem usadas, mas ainda não eram antigas para serem guardadas.
Para os brasileiros da minha geração, acostumados a essa mutabilidade monetária, causa não pequena estranheza saber que a Áustria cunha ainda hoje moedas que há mais de 250 anos circulam ininterruptamente em muitos países do mundo.
De 1740 a 1780 reinou no Sacro Império a grande Maria Teresa, aquela que, por sua força moral, foi aclamada pela Dieta húngara não como Rainha, mas como Rei da Hungria. "Moriamur pro Rege nostro Maria Theresia!" (morramos por nosso Rei Maria Teresa!) - bradaram os magiares na Dieta, quando Maria Teresa, atacada pelo rei Frederico II, da Prússia, foi conclamar os húngaros à defesa do Império ameaçado.
Em 1751, mandou ela cunhar um thaler, moeda com 23,4 gramas de prata, tendo numa face a efígie da soberana, e as armas dos Habsburgos na outra. Essa moeda, que inspiraria a criação do dólar norte-americano, estava destinada a ser a mais prestigiosa, difundida e durável das moedas. Entre os árabes e os povos da África, logo se tornou cotadíssima, passando a servir como espécie de moeda universal, por todos aceita e na qual todos confiavam. A tal ponto o prestígio da grande Imperatriz perdurou nos incontáveis thalers que circularam pelas areias do Saara, às margens do Mediterrâneo ou ao longo do Nilo, que ainda em meados do século XX prosseguia em circulação o velho thaler - ou pelo menos contrafações fiéis dele, com a Imperatriz, a águia bicéfala, os dísticos latinos e tudo mais...
Mussolini foi um dos mais notáveis falsificadores de thalers austríacos, mandando cunhar grande número deles "made in Italy" quando da invasão da Abissínia, em 1936. Na Abissínia, aliás, durante todo o reinado de Hailé Salassié, que se estendeu de 1930 até 1974, o thaler austríaco era quase moeda oficial. Os ingleses, durante a II Guerra Mundial, também precisaram cunhar a moeda teresiana para poderem comerciar com certas tribos africanas que não aceitavam libras esterlinas...
Ainda em nossos dias, tal continua sendo a procura do thaler, que a República austríaca decidiu, em 1989, voltar a cunhar thalers do Sacro Império! No ano de 1989, cerca de 3 milhões de thalers foram oficialmente cunhados pela Casa da Moeda da Áustria.
Não seria uma boa ideia o governo brasileiro cunhar e pôr em circulação os velhos e saudosos patacões de 2 mil réis, com a efígie de D. Pedro II, mas de prata autêntica? Por que não se experimenta?
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História e da Academia Ptracicabana de Letras.
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