Ontem, quando informado do falecimento do meu inesquecível amigo Prof. Dr. Antonio Carlos Neder, estava em viagem e não havia mais tempo para retornar a Piracicaba e assistir ao seu sepultamento. Ainda há menos de duas semanas estivemos juntos em longa conversação. À guisa de homenagem póstuma, aqui transcrevo texto que redigi há um ano para uma obra coletiva que estava sendo preparada para ser lançada no próximo mês de julho:
Antonio Carlos Neder, um homem de conselho.
Pediu-me meu bom amigo e xará Alexandre Neder que escrevesse um texto breve sobre seu pai - o Prof. Dr. Antonio Carlos Neder - para integrar uma obra coletiva que será publicada em homenagem ao ilustre cientista, professor de Farmacologia Odontológica, ex-diretor da Faculdade de Odontologia da UNICAMP, sediada na nossa cidade, e membro da Academia Piracicabana de Letras.
O homenageado é muito conhecido e admirado em Piracicaba, tanto nos meios culturais e científicos como na sociedade em geral. Se eu fosse me estender sobre seu currículo brilhante - e mesmo sobre algum aspecto específico dele - correria grande risco de repetir o que outros dirão muito melhor do que eu. Seria, como se diz em linguagem popular, “chover no molhado”. Falar do grande papel que teve na vida acadêmica e profissional, ou como membro expoente da colônia de origem libanesa em nosso município, também me parece mais adequado a alguém que seja dessas áreas. Falar dele como amigo, como chefe de família exemplar, como cidadão de uma integridade e de uma retidão a toda prova, igualmente seria dizer coisas sabidas e ressabidas por todos.
Que posso dizer dele, então, que exprima adequadamente minha admiração por ele e que represente algo diferente do que os demais colaboradores da obra coletiva provavelmente dirão?
Vou destacar um aspecto de sua rica personalidade que, a meu ver, nem sempre é notado e que merece ser posto à luz do dia. É o de Antonio Carlos Neder como homem de conselho.
Sim, penso que ele tem verdadeiramente o dom do conselho, não no sentido teológico estrito daquilo que é um dos sete dons do Divino Espírito Santo, mas num sentido mais geral, mais amplo e abarcativo das relações humanas.
Que é dom? O conceito de dom é muito claro. Dom é dádiva, é presente. Dom é tudo aquilo que uma pessoa dá a outra por liberalidade e com benevolência. Note-se com cuidado cada um dos elementos dessa formulação. Para haver dom, é preciso haver duas pessoas ou partes, a doadora e a receptora. Por outro lado, a doação deve ser por pura liberalidade de quem dá, ou seja, por generosidade, sem contrapartida, sem interesse. Não se paga uma dívida com um dom: se se deve a alguém, o que se dá a esse alguém é por justiça, não é por liberalidade. Não se faz um dom esperando uma recompensa: quem faz isso é um vendedor ou um investidor, não é um doador. Por outro lado, ainda, a doação deve ser benevolente, ou seja, deve ser fruto da boa vontade, do benquerer, do desejo de beneficiar e fazer bem ao receptor. Tudo aquilo que alguém dá a alguém com essas características e condições é um dom.
Há muitos tipos de dons. Dinheiro, um serviço profissional, um apoio moral, uma palavra amiga e estimulante, um reconforto numa hora de provação ou depressão, o oferecimento de um ombro leal para o outro “chorar suas mágoas”, uma carta de recomendação, um elogio, uma crítica construtiva, uma correção fraterna - tudo isso pode ser um dom. Depende das circunstâncias, da hora e do modo como se faz.
Quem é rico, pode fazer dom de uma parcela de seu patrimônio. Quem é feliz, pode compartilhar, à maneira de doação, sua felicidade com outras pessoas menos afortunadas. Quem é sábio, pode (e até deve) iluminar com seu saber com os demais.
É, pois, muito ampla a noção de dom, e são infinitas as modalidades e variedades de dom. O conselho é uma delas.
O dom do conselho é a dádiva que uma pessoa experiente, equilibrada, carregada de bom senso e sabedoria, proporciona a quem não tem essas qualidades, ou as tem em menor grau. E nisso o Professor Neder é exemplaríssimo. Com sua imensa experiência de vida e com a bondade característica de sua personalidade, com a comunicatividade e a capacidade de empatia de um autêntico libanês-brasileiro, com a prática adquirida durante décadas de docência, em que se habituou a falar a gerações e gerações de alunos de todas as procedências e condições - ele exerce a todo o momento, e quase sem o perceber, o dom do conselho.
Sem adotar tom professoral, mas com simplicidade e naturalidade, quem conversa com ele ouve, a todo momento, lições de vida, de sabedoria e de conduta que valem por verdadeiros conselhos. Sem se dar conta, a todo momento ele ensina, ele forma, ele conforta, ele estimula os melhores lados dos seus interlocutores. E isso com uma bondade, um desinteresse, uma simpatia e uma empatia impressionantes.
Quantas vezes, em circunstâncias diversas, não telefonei eu a ele para ler um texto e pedir sua opinião! Ou lhe submeti uma questão qualquer e ele, sem vacilar, logo exprimiu seu pensamento e resolveu o problema!
Minha homenagem a ele, pois, nesta obra coletiva, resume-se a isto: Antonio Carlos Neder é, verdadeiramente, um homem de conselho.
Como falar do Professor Neder sem lembrar de sua digníssima Esposa, D. Jamile Sarkis Neder? Costuma-se dizer que por trás de todo grande homem existe sempre uma grande mulher. Basta, aqui, acrescentar que D. Jamile é a grande mulher que Deus quis que, na trajetória da existência terrena, fosse a indefectível companheira do Prof. Dr. Antonio Carlos Neder. A ela, pois, se estende com toda a justiça esta singela homenagem.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras e professor da Unisul. Também é Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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