Em 1759, os jesuítas foram expulsos de todos os domínios da Coroa Portuguesa por nefasta ação do Marquês de Pombal. Foram sumariamente confiscados todos os bens da Companhia, não só os de raiz, mas também arquivos, bibliotecas, objetos sacros. Nem sequer os manuscritos dos religiosos foram poupados.
Para o Brasil, as consequências dessa injustiça ditatorial foram enormes. Todo o ensino na América portuguesa estava, desde os primeiros tempos, confiado aos Jesuítas. Sem eles, o Brasil ressentiu-se muito. Foi severamente proibida a utilização do nheengatu, a chamada “língua geral”, utilizada pelos inacianos em sua pregação em todo o litoral do Brasil, desde o Pará até as capitanias do Sul, e que era entendida correntemente por muitos brasileiros de origem europeia e sem qualquer sangue indígena. O resultado dessa proibição é que o Brasil, que poderia ser hoje uma nação bilíngue (como são o Paraguai e o Peru), esqueceu quase completamente a memória do velho tupi, que na atualidade somente marca presença nos topônimos, em numerosas palavras do léxico brasileiro e na prosódia característica de algumas regiões em que se fala o “dialeto caipira” (como o considerou Amadeu Amaral). O falar “caipiracicabano”, de que legitimamente se orgulha nossa cidade, conserva forte influência do idioma nativo proscrito há mais de 250 anos.
Em 1773, a Companhia de Jesus foi fechada pelo Papa Clemente XIV, pressionado por Pombal e por outros poderosos ministros de monarquias europeias. Foi um doloroso episódio da História da Igreja, até hoje ainda não inteiramente esclarecido.
Nenhuma Ordem religiosa sofrera, até então, uma investida tão brutal como a Companhia de Jesus. A figura caricatural do jesuíta - oculto por detrás das grades de um confessionário e manobrando inescrupulosamente consciências temerosas e, por meio delas, influindo na política das grandes nações - por toda a parte se impunha. Era moda ser contra a Companhia, era moda criticar os Jesuítas. Poucos ousavam, naquelas circunstâncias, defender a Companhia de Jesus. Fazia-se em torno dela um como que consenso de hostilidade e desconfiança. Essa a força da propaganda orquestrada, da moda artificialmente imposta.
Dir-se-ia que a Companhia de Jesus era imensamente impopular. Na realidade, se considerarmos em profundidade, nunca a Companhia teve tanto prestígio como naquela época. Sintoma curioso desse prestígio real, se bem que inconfessado: muitos dos perseguidores da Companhia confiavam precisamente aos tão denegridos jesuítas a educação de seus filhos...
E quando a Companhia foi fechada, dois monarcas não católicos se ofereceram a acolher os jesuítas proscritos: Frederico da Prússia e Catarina da Rússia. Reconheciam, com isso, o papel eminente que desempenhavam aqueles educadores de alto nível.
Em 1814, outro Papa, Pio VII, restauraria a Companhia de Jesus, em larga medida graças à atuação de São José Pignatelli (1737-1811), que viveu uma vida discreta e silenciosa, na fidelidade ao verdadeiro espírito inaciano, trabalhando para que a Companhia pudesse ser restaurada. Faleceu antes de ver seu objetivo atingido e foi sepultado quase secretamente. Parecia para sempre esquecido... mas o Espírito Santo trabalhou nas almas e sua figura foi ganhando importância ao longo dos tempos. Em 1933, foi beatificado por Pio XI, que o considerava o principal elo entre a Companhia extinta por Clemente XIV e a nova, instituída por Pio VII, e o designou como o verdadeiro restaurador da Companhia de Jesus. Em 1954, foi canonizado pelo Papa Pio XII.
Ao longo do século XIX, prosseguiu atuante o preconceito contra a Companhia de Jesus, e prosseguiu também seu prestígio, até mesmo entre os que a criticavam. Um exemplo curioso dessas duas coisas - o preconceito e o prestígio - é reportado por Gilberto Freyre, em “Ordem e Progresso”. Lembra ele que Ruy Barbosa, quando redigiu um primeiro projeto de Constituição republicana, inseriu um dispositivo proibindo, para todo o sempre, que entrassem jesuítas na República que acabava de ser proclamada. A sugestão não vingou e a primeira Constituição do novo regime, promulgada em 1891, não continha essa vexatória exclusão. No entanto, como nota o mesmo Gilberto Freyre, os filhos de Ruy Barbosa foram educados... em colégios da Companhia de Jesus!
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é jornalista profissional e historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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