Carlos Maximiliano Pimenta de Laet, o jornalista e polemista católico e monárquico, meu patrono no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, era terrível... Seus adversários o temiam porque era mestre na arte de esgrimir argumentos. Desde a primeira polêmica que travou, sendo ainda bem jovem, com o já consagrado Camilo Castelo Branco, até a última, em que terçou armas com Jackson de Figueiredo, nunca resistiu à tentação de se meter numa boa polêmica. Argumentava com vigor e tinha um especial talento para colocar seus adversários em posição ridícula, atraindo para si as simpatias dos incontáveis leitores que gostavam de rir.
Laet não é nome francês e não se pronuncia à moda francesa, como geralmente se pensa, mas é nome holandês e deve ser pronunciado mais ou menos como La-â-te – segundo me explicou, certa ocasião, um erudito conhecedor desse idioma. De fato, Laet descendia remotamente de holandeses. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1847, falecendo na mesma cidade, no ano de 1927. Fez seus estudos no Colégio Pedro II, onde se bacharelou em Letras, e depois cursou a Escola Central (atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro), nela se graduando como engenheiro.
Preferiu, entretanto, dedicar-se ao jornalismo e ao magistério. Desde 1873 lecionou no Colégio Pedro II, como Professor Catedrático de Português, Geografia e Aritmética. É curioso que três disciplinas tão díspares estivessem, na época, reunidas sob a alçada de um único docente.
No jornalismo, deixou milhares de artigos dispersos por jornais cariocas, muitos deles escritos sob pseudônimos variados. Publicou relativamente poucos livros em vida, mas sua obra, se reunida, encheria dezenas de volumes. Infelizmente a imensa maioria da produção intelectual de Laet ficou dispersa pela imprensa. Algumas coletâneas se fizeram, mas incompletas e insuficientes. Na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, pude compulsar a mais completa das coleções de artigos de Laet existente, resultado, segundo me informaram, da junção de três coleções privadas laboriosamente constituídas, as do Pe. Leopoldo Aires, de Mons. Deusdedit de Araújo e do Prof. Alexandre Correia.
Foi eleito deputado à Assembleia Geral, nas últimas eleições realizadas no Império, pelo Partido Liberal, mas não chegou a tomar posse. Já na República, foi demitido da condição de professor catedrático do Colégio Pedro II, por haver protestado contra a mudança do nome dessa escola. O Governo Provisório, pelo Decreto n° 9, de 21-11-1889, pretendeu denominá-lo "Instituto Nacional de Educação Secundária".
Laet era catedrático do Pedro II desde 1873, tendo prestado duas vezes concurso para essa função, e em ambas obtido o primeiro lugar. Mas somente em 1915, por decreto do Presidente Venceslau Brás, pôde retornar à atividade docente no Pedro II ─ que já então havia retomado o nome tradicional que conserva até hoje ─ e a partir de 1917 assumiu o cargo de Diretor do Colégio, até 1925, quando se aposentou. Era membro-fundador da Academia Brasileira de Letras e recebeu do Papa São Pio X, em 1913, o título de Conde, por seus méritos como ativo líder católico e Presidente do Círculo Católico da Mocidade.
Até morrer, em 1927, com 80 anos de idade, manteve-se fiel aos mesmos princípios religiosos e políticos, sendo muito temido pelos adversários do trono e do altar por sua polêmica cerrada e por seu fino humorismo. É precisamente o cunho humorístico dos seus escritos que pretendo focalizar neste artigo.
Laet, sendo adversário implacável dos modernismos literários, opôs-se desde o primeiro momento aos poetas futuristas. Certa ocasião, zombando de Graça Aranha, publicou o seguinte soneto em estilo modernista:
“Noite. Calor. Concerto nos telhados. / Cubos esferoidais. Gatas e gatos. / Vênus. Graças. Aranhas. Carrapatos. / Melindrosas. Poetas assanhados. / Rabanetes azuis. Sóis encarnados. / Comida no alguidar. Cuspo nos pratos. / Três rondas a cavalo. Mil boatos. / Prosa sesquipedal. Tropos safados. / Avenida deserta. Bondes. Grama. / Chopes Fidalga. Leite. Pão-de-ló. / Carros de irrigação. Salpicos. Lama. / Vacas magras. Esfinge. Triste. Só. / Tumor mole. São Paulo. Telegrama. / Dois secretas. Cubismo. Xilindró.”
O saboroso desse soneto está não só em ter imitado o estilo “futurista” de Graça Aranha, mas na alusão a um episódio ridículo que então todo o público conhecia: Graça Aranha, que estava envolvido numa conspiração contra o governo, passara a um seu correligionário, de São Paulo, um telegrama em termos cifrados, anunciando que rebentaria naquela noite um levante. Assim rezava o telegrama: "Tumor mole rebentará esta noite". A polícia, que rastreava a correspondência dos adversários do governo, não teve qualquer dificuldade para decifrar a mensagem e “dois secretas” trancafiaram a tempo, num “xilindró”, o malogrado conspirador político. O impagável Laet comentou:
─ Esse Aranha publicou um livro simbolista, “Canaã”, e ninguém compreendeu nada... Agora, envia um telegrama secreto, e todo mundo entendeu tudo... Que estilista fantástico!
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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