Em 1962, o governo esquerdista de João Goulart promulgou a primeira das várias Leis de Diretrizes e Bases do Ensino, propondo uma transformação radical, gizada, segundo constou, por Darcy Ribeiro. A meta era democratizar o ensino. Desde logo foi abolido o Latim e foi intensificado o ensino de “ciências aplicadas”. Para sete anos depois, previa-se a modificação, também, do ensino de nível médio.
Eu, pessoalmente, sofri muito com essas mudanças. Já não peguei Latim no Ginásio (feito de 1965 a 1968), falta que lamento profundamente, e que precisei remediar estudando e aprendendo o Latim por conta própria. E, exatamente quando concluí o Ginásio e deveria ingressar no Clássico, fui forçado a entrar num curso médio novo, chamado Colegial, que me obrigou a suportar dois anos de Matemáticas, Químicas, Físicas e Biologias que eu detestava... Fiz parte da primeira geração de alunos que não puderam mais optar por fazer o Clássico ou o Científico.
É interessante notar que a grande reforma do Ensino feita pelo Regime Militar, tido geralmente como “de direita”, reforma que foi desastrosa e desmantelou o ensino público tradicional, foi inteiramente gizada pelo governo “de esquerda” de João Goulart. Isso, pouca gente sabe e comenta hoje em dia, mas é verdade. Como dizia o Y-Juca Pirama, posso dizer e sempre digo: “meninos, eu vi”...
Ao longo dos anos 1970 e 1980, cada vez mais foi decaindo o Ensino Público, ao mesmo tempo que subiam propagandisticamente todos os índices de escolarização do povo brasileiro. Era um progresso meramente quantitativo, que disfarçava uma lamentável decadência qualitativa. Foram se multiplicando os casos de “analfabetismo funcional”, com pessoas que passaram 8 ou mais anos em escolas, aprenderam a ler mas não conseguem ler mais do que letreiros de ônibus, placas de ruas ou slogams de propaganda. São incapazes de ler e entender textos escritos de 15 ou 20 linhas.
Depois do fim do regime militar, em 1985, tivemos a redemocratização do Brasil, mas infelizmente não foram corrigidos os erros do passado recente; pelo contrário, foram ainda mais acentuados. Desde então, o analfabetismo funcional se intensificou e generalizou, e assistiu-se a uma criação enorme e desordenada de cursos superiores, que diplomam em série pessoas que, “nos tempos de Capanema” não obteriam sequer diploma de Ginásio... A situação não mudou com a Constituição de 1988, muito embora esta tivesse, no seu texto, incorporado a afirmação categórica de que é obrigação do Estado ministrar o Ensino e que é direito de todo brasileiro receber educação pública e gratuita, nos níveis e nas faixas de idade previstas por lei. Tampouco mudou com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso em 1996, e mais tarde, já no Governo Lula, em parte modificada.
Eu atualmente leciono num curso universitário de Pós-graduação lato sensu e encontro, por vezes, alunos que não têm a menor capacidade para ler e entender um texto, menos ainda para redigir um texto próprio. E já passaram pelos ciclos anteriores de ensino e concluíram um curso superior! Como passaram, isso não sei nem posso saber...
A débâcle do ensino no Brasil é, hoje, incontestável. Em todos os exames internacionais, comparativos de desempenho de alunos de muitos países, conquistamos o primeiro ou o segundo lugar... de baixo para cima! Ou seja, somos sempre o último ou o penúltimo colocados.
Modismos pedagógicos, como por exemplo o nefasto “construtivismo”; modismos ideológicos, como a tal “pedagogia paulofreiriana”; uma pretensa “democratização” mal entendida; a proibição de aplicar nas escolas princípios meritocráticos, porque “lesivos dos direitos” dos não merecedores; a proibição de se aplicar, nas escolas, uma boa disciplina – tudo isso contribuiu para destruir o ensino brasileiro.
A minha geração (tenho 62 anos), que estava na adolescência quando ocorreu a revolta de maio de 1968, na Sorbonne, assimilou infelizmente a ideia de que todos têm direitos ilimitados a fazer o que bem entendem (o lema dos revoltosos era precisamente este: "É proibido proibir."), e que todos têm, portanto, o direito de não cumprir os próprios deveres... Essa ideia foi a que inspirou todo o ensino nas últimas cinco décadas. Deu no que deu... É claro que, na escola anterior, nos tempos do Capanema, havia muita coisa errada, que por vezes se excedia no rigor, que muitos alunos sofriam com o sistema. Eu mesmo sofri. Mas a escola funcionava.
Que podemos fazer agora, para remediar tantas décadas perdidas?
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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