PAZ - Blogue luso-brasileiro
Sábado, 22 de Julho de 2017
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - EUCLIDES DA CUNHA: UMA REAÇÃO SURPREENDENTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Concluo hoje a série de artigos que venho publicando, sobre o curioso paradoxo psicológico de coexistirem sem conflito, no interior de muitas mentes, simpatias e pendores pela monarquia e pela república, formas de governo que no plano teórico são opostas e pressupõem cosmovisões irremediavelmente antagônicas.

Já expus alguns exemplos de republicanos convictos que não esconderam suas simpatias pela monarquia. Poderia citar, em sentido contrário, monarquistas declarados e até pretensos aristocratas com anel de nobreza do dedo, que tampouco conseguem ocultar fortes tendências igualitárias e revolucionárias... Se um dia eu escrever Memórias, contarei alguns casos bem característicos.

Vou agora, para encerrar a série, apresentar o caso de Euclides da Cunha, republicano convicto e cheio de preconceitos antimonárquicos que, no entanto, tomou uma atitude surpreendente. Primeiro, transcreverei os tópicos principais da carta que o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, filho da Princesa Isabel e líder do movimento monarquista brasileiro, dirigiu da Áustria, a 12/2/1908, ao autor de “Os Sertões”:

“Ilmo. Sr. Dr. Euclides da Cunha: / A recepção das suas obras que teve a amabilidade de enviar-me foi motivo de verdadeiro prazer para mim. Há muito tempo que sou seu sincero admirador, como já tive ocasião de manifestá-lo publicamente. / Os "Sertões", que li pela primeira vez ha dois anos, foram uma revelação para mim e têm-me acompanhado em todas as minhas viagens. Os "últimos dias de Canudos", sobretudo, atingem uma força trágica que em poucas outras narrações militares tenho encontrado. Outros capítulos do livro fizeram-me conhecer aqueles vastos territórios do Brasil central, tão importantes para o futuro desenvolvimento de nossa pátria. / Também conhecia desde pouco os "Contrastes e Confrontos". Se em matéria política não concordo com todas as suas opiniões, não há do ponto de vista literário uma linha daquela pequena obra-prima que eu não admire. Tenho lido e tornado a ler sua magistral descrição intitulada “a Esfinge”, a tal ponto que às vezes (tenho) a impressão de ter assistido àquela noite tão primorosamente descrita. Em outros capítulos, como nos sobre as secas do Ceará, são relevantes os serviços prestados pelo Sr. à civilização brasileira. (...) / Soube pelo meu amigo Guimarães que ao seu último filho deu o Sr. o nome de Luiz; é motivo para mim de satisfação o ver que em sua família há quem tenha nome igual ao meu, de forma que ao pronunciar o de quem lhe escreve guardará a sua voz um pouco da amizade que tributa ao filhinho querido. / Peço que de mim se não esqueça quando publicar outra obra e tenha certeza que daqui da Europa sigo com atenção e simpatia a sua triunfal carreira em nosso país. / Aperta-lhe afetuosamente as mãos o / patrício admirador e amigo / Luiz de Orleans e Bragança”.

Pelo teor dessa carta, fica claro que Euclides já havia, anteriormente, mandado ao príncipe obras que publicara. Vejamos agora como Euclides acolheu a missiva principesca, inicialmente no seguinte trecho de carta que escreveu a Francisco de Escobar, no dia 10/4/1908:

“Um contraste: depois de receber a tua carta, irei responder outra - do príncipe D. Luiz de Bragança!... Recebi-a há dois dias. Tem oito páginas maciças, escritas num português impecável e surpreendente. Não preciso dizer que ela não me fere a integridade republicana. D. Luiz é sobretudo escritor. Escreveu ao adversário político - ele mesmo o observa - obedecendo apenas às afinidades de temperamento. De qualquer modo é um compatriota que estuda as nossas coisas e que ama o Brasil. E como, ao mesmo  tempo, parece-me ter lucidez bastante para compreender que a missão de sua dinastia está completamente acabada, irei responder-lhe desafogadamente”.

Nessa carta ao amigo Escobar, Euclides fez questão de ressalvar a sua integridade republicana. Mas em outra carta, dirigida a 15/3/1908 a um parente, foi mais franco e não escondeu o encanto que a carta do Príncipe lhe causara:

“...Todos vamos bem. Como novidade única, recebi longa carta de d. Luiz de Bragança, neto do imperador, que ultimamente passou por aqui. É uma carta de compatriota inteligente e digno; e - é incrível! - eu, velho republicano, fiquei contentíssimo de recebê-la. Está entre os meus melhores autógrafos. Pelo menos é um patrício de valor e, como homem, digno de toda a estima. O seu ato, dirigindo-se, cavalheirosamente, a um simples escritor, cativou-me pela sua própria nobreza.”.

Pouco tempo de vida restava a Euclides da Cunha. No dia 15 de agosto do ano seguinte, teve ele o fim trágico que todos conhecemos. Devido à exiguidade de espaço, neste artigo, não foram incluídas as referências documentais das cartas citadas. Mas se algum leitor desejar, é só me pedir e fornecerei de bom grado.

 

 

 

 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

 

 



publicado por Luso-brasileiro às 15:15
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
arquivos

Julho 2024

Maio 2024

Março 2024

Fevereiro 2024

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

favoritos

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINEL...

pesquisar
 
links