Os nomes de alguns cavalos da Antiguidade foram conservados até hoje na memória histórica. Tornou-se famoso o Bucentauro, que foi domado pelo grande Alexandre, quando este era apenas um adolescente, e que depois disso jamais se deixou montar por qualquer outro cavaleiro. Também o Genitor, de Júlio César, deixou boa fama, enquanto um outro equino célebre, na mesma Roma, deixou memória não tão honrosa: refiro-me a Incitatus, cavalo do imperador Calígula ao qual este, para humilhar o Senado de Roma, deu o título de senador e obrigou a ser recebido com honras na mais alta curul do Império.
O costume de dar nomes a certos cavalos muito especiais teve prolongamento na Idade Média cristã. O cavalo e o espada eram, para o cavaleiro medieval, instrumentos de combate particularmente importantes e do mais alto significado simbólico. O cavalo se entendia como o prolongamento dos pés - e portanto significava a mobilidade e a agilidade do cavaleiro – enquanto a espada era o prolongamento de seu braço - e, portanto, exprimia simbolicamente sua força e sua capacidade de fazer justiça aos que dela necessitavam.
Desses dois instrumentos de luta dependia a própria vida do cavaleiro, que precisava, pois, neles ter total confiança. Tão intensa era sua carga simbólica que, por assim dizer, como que adquiriam personalidade própria. Daí o costume de terem nomes individualizados os cavalos de combate e as espadas.
O Cid Campeador tornou famosos os nomes de Babieca, seu cavalo de combate (que muitos supõem, erradamente, ter ido uma égua, por causa da sonoridade feminina do nome), e os de Tizona e Colada, suas duas espadas. Ainda hoje, nas ruas encantadoras de Toledo, existem dezenas de lojas nas quais qualquer turista pode comprar por preços muito acessíveis lindas réplicas da Tizona, da Colada ou de outras espadas históricas. Eu mesmo adquiri, quando lá estive, uma belíssima réplica da espada do rei São Fernando III de Castela, em tamanho natural. Isso foi bem antes do “Onze de Setembro”, num tempo em que ainda era possível embarcar tranquilamente, num avião com destino ao Brasil, portando uma “arma” tão perigosa...
A espada do legendário e mítico Rei Artur era a Excalibur. O imperador Carlos Magno tinha também a sua espada famosa, de nome Joyeuse. Rolando, o mais famoso dos Pares de Carlos Magno, tornou célebre a espada Durendal, “qui bien tranche et bien taille” (que bem trincha e bem corta), que em vão tentou quebrar, na Chanson de Roland, depois da Batalha de Roncesvalles, para que não caísse em mãos dos inimigos sarracenos. O nome Durandal inspirou o de Durindana, que em Portugal e no Brasil acabou por se tornar sinônimo de espada.
Não se conhece o nome da espada do Quixote, mas a novela de Cervantes celebrizou o Rocinante, o cavalo do seu herói.
Estou trabalhando, na minha tese de doutorado, sobre uma novela de cavalaria catalã escrita por autor anônimo do século XV, intitulada “Curial e Guelfa”. No enredo, exerce papel secundário, mas expressivo, o rei Pedro III de Aragão, cujo cavalo tinha o nome de Pompeu. Era natural que Pedro III, tipicamente um cavaleiro medieval, imaginado por Dante penando suas culpas veniais no Purgatório, desse um nome ao seu cavalo, e que fosse tão carregado de simbolismo histórico: Pompeu, o adversário à altura de Júlio César!
Quanto à sua espada, não existem registros de que tenha recebido um nome específico, mas uma passagem significativa da novela mostra o que ela significava para seu portador: quando Pedro III apareceu sozinho, no acampamento da cidade de Melun, um cavaleiro aragonês, cujo escudeiro havia reconhecido o rei incógnito, avisou seu senhor, o qual foi até o soberano, fez-lhe a devida reverência e manifestou estranheza pelo fato de um tão alto rei ter viajado sem acompanhantes. A resposta do rei: “– Estai certo de que não fiquei só, pois minha espada me fez companhia por onde estive”. (ANÔNIMO. Curial e Guelfa. - Primeira tradução para o português e notas: Ricardo da Costa - Revisão: Armando Alexandre dos Santos. Estudo introdutório e edição de base: Antoni Ferrando). Santa Barbara, California: EHumanista, 2011.)
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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