PAZ - Blogue luso-brasileiro
Quarta-feira, 27 de Dezembro de 2017
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - PRIMEIRA BATALHA DE MATAPÃO - OS ANTECEDENTES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Armando Alexandre dos Santos.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Há precisamente 300 anos, no dia 19 de julho de 1717, travou-se na costa da Grécia, junto ao cabo de Matapão, uma grande batalha, completamente esquecida no Brasil e pouco lembrada até mesmo em Portugal, cuja marinha de guerra foi a grande vencedora naquele enfrentamento. Se procurarmos nas enciclopédias - sejam as tradicionais impressas, ainda presentes nas estantes da bibliotecas, sejam as modernas, vulgarizadas e bagatelizadas pelas redes de computadores - algo sobre a batalha de Matapão, mais provavelmente encontraremos informações sobre a segunda batalha de Matapão, aquela que se travou no dia 27 de março de 1941, quando a esquadra inglesa, comandada pelo Almirante Cunningham, pôs a pique três cruzadores e dois destróieres e danificou um encouraçado da frota italiana.

A que nos interessa recordar aqui é a primeira Batalha de Matapão. De alguma forma, o Brasil esteve nela envolvido. Em primeiro lugar porque, à época, o Brasil era parte integrante do império luso; em segundo lugar, porque o almirante que comandava as forças portuguesas, Lopo Furtado de Mendonça (1661-1730), Conde do Rio Grande, portava um título nobiliárquico de origem brasileira. Explica-se: Lopo era genro de Francisco Barreto de Menezes (1616-1688), o general luso-peruano que comandava as tropas luso-brasileiras nas duas batalhas de Guararapes, contra os invasores holandeses e recebeu do rei de Portugal o título de Conde do Rio Grande. O título se relacionava a um feito de armas ocorrido junto a um rio brasileiro (não pude tirar a limpo a qual se referia, pois três cursos de água da região em que Barreto de Menezes lutou eram chamados na época de “Rio Grande”, um na Bahia, outro na Paraíba, outro no Rio Grande do Norte). O título não chegou a ser usado pelo vencedor de Guararapes, mas foi herdado por sua filha Antônia Barreto de Sá e efetivado “jure uxoris” pelo marido desta, Lopo Furtado de Mendonça.

O Brasil também estava envolvido na batalha porque ela foi paga com ouro extraído do solo mineiro. Portugal, ao tempo de D. João V, que reinou de 1706 a 1750, viveu um período de grande esplendor, graças ao ouro brasileiro, descoberto em 1696. Durante 196 anos, Portugal havia povoado e colonizado o Brasil, laboriosa e pacientemente, sem encontrar ouro. Nisso se diferenciou dos espanhóis, que se lançaram tardiamente às navegações, muito depois de Portugal, mas tiveram a sorte de topar desde logo com as imensas minas de ouro do México e do Peru, sem falar nas de prata, de Potosi, na atual Bolívia.

Com o ouro do Brasil, tardio mas abundante, Portugal viveu fugazmente um período de grande riqueza. Datam dessa época grandes maravilhas arquitetônicas, como o Palácio de Mafra, o Aqueduto das Águas Livres e a Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, como também, no campo cultural, a fundação da Real Academia Real da História Portuguesa, transmutada mais tarde na Academia Portuguesa da História, da qual tenho a honra de ser membro. No reinado de D. João V, a diplomacia portuguesa foi ativa nas grandes cortes europeias e conseguiu reviver (sem dúvida de forma bem mais modesta) os tempos gloriosos de D. Manuel o Venturoso, quando Portugal chegou a ser considerado uma potência de primeiro nível. O último ato diplomático de seu governo foi o Tratado de Madri, de 1750, que consagrou definitivamente os limites continentais do Brasil, muito além da linha de Tordesilhas. Os dois focos principais da diplomacia lusa no tempo de D. João V eram o Vaticano e a corte imperial de Viena. Profundamente religioso, o rei não apenas construía e dotava generosamente mosteiros e igrejas, mas ajudou muito o Papado. Clemente XI, que foi Papa de 1700 até 1721, foi muito apoiado pelo rei de Portugal, ao qual recompensou concedendo à arquidiocese de Lisboa a dignidade honorífica de Patriarcado. No Ocidente eram apenas três os Patriarcados, o de Roma, do qual era titular o próprio Papa, sucessor de São Pedro, o de Veneza e o de Lisboa. Em 1748, já no fim da vida, D. João V recebeu do Papa o título de Rei Fidelíssimo, transmissível a seus sucessores.

Na Guerra da Sucessão Espanhola (1702-1714), Portugal apoiara decididamente o Arquiduque Carlos, pretendente austríaco à coroa espanhola. As tropas lusas, com seus aliados austríacos, haviam chegado a tomar a cidade de Madri, em 1707. O partido que afinal triunfou nessa guerra foi o francês, mas o austríaco não se pode dizer que se tenha saído mal, pois recebeu compensações significativas e o Arquiduque Carlos não subiu ao trono da Espanha, mas foi sagrado em Viena como Imperador Carlos VI. Os laços entre Viena e Lisboa se fortificaram, pois o rei de Portugal casou com D. Mariana de Áustria, irmã do próprio Imperador.

Na época, o Islã estava mais uma vez agressivo em relação à Cristandade. O sultão Ahmed III, que governou em Constantinopla de 1703 a 1736, se empenhava em reparar as perdas sofridas pelo Crescente no tempo de seu irmão mais velho, Mustafá II. Este chegara a pôr cerco a Viena, mas, derrotado, havia perdido importantes territórios para a Áustria. Ahmed III seguiu uma política agressiva. Rearmou-se, tanto em forças terrestres quando marítimas. Derrotou os russos, comandados pessoalmente pelo Czar Pedro o Grande, e arrebatou possessões da República de Veneza – que era então uma potência marítima e comercial de grande expressão, mas não tinha forças terrestres à altura. Ahmed III também tentou novas investidas por terra contra o Império, mas foi derrotado em Petrovaradin, em 1716, pelo Príncipe Eugênio de Savoia, que até hoje é celebrado, nas canções alemãs e austríacas, como “Prinz Eugen”.

 Quando Veneza se viu seriamente ameaçada, mobilizou sua grande armada de guerra, chamada a “Armata grossa”, mas, sabendo que não tinha condições de enfrentar sozinha o poderosíssimo império otomano, pediu ajuda ao Papa Clemente XI, que imediatamente lançou, como nos tempos medievais, a Bula de Cruzada. Convocou os príncipes cristãos a formarem aliança contra o Crescente. Veremos no próximo artigo em que medida essa convocação foi atendida, e qual o papel de Portugal nos atos subsequentes.

 

 

 

 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.

 

 

 

 

 

 

 



publicado por Luso-brasileiro às 11:53
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
arquivos

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

favoritos

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINEL...

pesquisar
 
links