No último domingo, dia 2 de dezembro, a Missa do 1º. Domingo do Advento foi celebrada às 19 horas, na Catedral de Piracicaba, por alma do Imperador D. Pedro II, cujo 193º. aniversário natalício se comemorava naquele dia. A iniciativa foi do grupo Nação Real Piracicaba e do Centro de Estudos Históricos Piracicaba Imperial.
Escrevendo à Princesa Isabel sobre o falecimento de D. Pedro II, Affonso Celso formulou estas palavras que hoje é forçoso reconhecer que tiveram algo de proféticas: "A história de D. Pedro II ainda é cedo para tentar escrevê-la. Daqui a cem anos assumirá proporções legendárias".
Conta-se que alguns meses após a proclamação da República, o Marechal Deodoro da Fonseca estava presidindo a uma reunião de seu ministério, e não conseguia harmonizar aquele conjunto heterogêneo. Deodoro era mais idoso que seus ministros, era homem decidido e de têmpera rija, estava habituado a comandar desde moço, era militar prestigioso por sua atuação na Guerra do Paraguai, ostentava o título (é de propósito que não falo em glória) de proclamador da República brasileira, ocupava o cargo de presidente do Governo Provisório dessa República.
Apesar de todos esses títulos de superioridade em relação a seus ministros, ele não conseguia desempenhar, junto a eles, aquele papel unitivo e ordenativo que D. Pedro II, menino de 14 anos, em 1840 já representava eximiamente.
E no meio daquelas discussões intérminas, daqueles debates estéreis e conduzentes a nada, o velho marechal não conseguia fazer prevalecer sua vontade, não conseguia sequer impor ordem. Impaciente, ele ameaçou os ministros: "Ou vocês arrumam um jeito de afinal se entenderem, ou eu chamo de volta o dono da casa, e ele põe ordem nisso tudo". Quem era o “dono da casa” a que se referia Deodoro? Era o velho Imperador exilado...
De fato, 127 anos depois de morto D. Pedro II em Paris, no modesto Hotel Bedford, 127 anos depois de seu cortejo fúnebre que reuniu mais de 200 mil pessoas (cortejo similar ao do celebradíssimo Victor Hugo), é forçoso constatar que tantos e tais foram os desatinos cometidos pela República no Brasil que chegamos aos tristes dias de hoje.
Nascido a 2 de dezembro de 1825, D. Pedro II era filho de nosso primeiro Imperador D. Pedro I e da Imperatriz Leopoldina, a qual provinha da Casa d'Áustria, sendo filha de Francisco II, Imperador do Sacro Império (ou Francisco I, Imperador da Áustria).
Já a 7 de abril de 1831, data da abdicação de seu pai, com 5 anos e 4 meses era, de pleno direito, Sua Majestade Imperial o Senhor D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.
Não é o caso de recordar aqui todo o período das Regências, período de grande turbulência, em que o Brasil não se fragmentou numa série de republiquetas única e exclusivamente devido a autoridade moral daquele menino. Foram 9 anos agitados, que constituíram, como geralmente se reconhece, uma espécie de pré-experiência republicana.
Subindo efetivamente ao trono em 1840, com apenas 14 anos e meio, D. Pedro II conseguiu o que não tinham conseguido líderes políticos de grande envergadura que haviam atuado durante a Regência - um Marquês de Olinda, um Feijó, um Vergueiro, um Lima e Silva - e o que mais tarde também o Marechal Deodoro não lograria fazer: pôr ordem na casa.
Muitas foram as dificuldades que enfrentou o Império, de ordem interna e de ordem externa. Internamente houve revoluções no Rio Grande do Sul (a famosa Revolução Farroupilha, iniciada em 1835, durante a Regência, e que só em 1845 chegaria ao fim), em São Paulo e Minas (a revolução liberal de 1842), em Alagoas (a revolta de 1844) e em Pernambuco (a Revolução Praieira, em 1848).
Também externamente não faltaram dificuldades, durante o Segundo Reinado. Tivemos, entre outros conflitos no Prata, a guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), e a longa e cruel guerra contra o ditador paraguaio Solano López, a qual se estendeu de 1864 até 1870, custando aos cofres públicos brasileiros quantias astronômicas para a época.
Ainda externamente, tivemos a célebre questão Christie, na qual a personalidade, a firmeza e o prestígio de D. Pedro II obrigaram a orgulhosa Grã-Bretanha a reconhecer nosso direito e a passar pela humilhação de enviar um embaixador extraordinário até a tenda de campanha do Imperador, em Uruguaiana, a fim de pedir formalmente desculpas em nome da Rainha Vitória.
Apesar de todas essas dificuldades, a obra gigantesca de D. Pedro II prosseguiu ao longo dos 49 anos de seu reinado. Consolidada a paz interna, após os primeiros anos em que ainda fumegavam os rescaldos do período regencial, tivemos internamente um prolongado período de estabilidade constitucional e de autêntico progresso.
Politicamente, as instituições evoluíram de modo muito natural e adaptado às condições de nosso país e a índole de nosso povo. Sem se afastar da letra e do espírito da Constituição de 1824, monumento jurídico legado ao Brasil por D. Pedro I, pouco a pouco o segundo Reinado foi desenvolvendo certa forma peculiar de parlamentarismo monárquico, um parlamentarismo monárquico que teve a sabedoria de não imitar servilmente modelos estrangeiros, mas de se adaptar as nossas necessidades e aos nossos modos de ser. Esse o segredo do sucesso das instituições políticas do Império. Sem D. Pedro II no leme da nau do Estado, dificilmente se poderia ter chegado àquela feliz fórmula de equilíbrio entre a representação popular (a Assembleia Geral) de um lado, e a autoridade do soberano, com o Poder Moderador, de outro.
Socialmente, o segundo Reinado registrou progressos muito sensíveis. Lembre-se apenas, para não nos estendermos mais, a abolição gradual e irreversível do cativeiro. Para essa abolição foi muito saliente o papel desempenhado pelo monarca, que não deixou de agir em toda a medida que lhe permitiam as suas funções de Chefe de Estado numa Monarquia Constitucional-Parlamentar. Segundo o líder abolicionista Joaquim Nabuco, a parte que tocou ao Imperador, em tudo o que se fizera em prol da libertação, foi essencial. Também no primeiro impulso para a imigração - indispensável, na época, para substituir a mão-de-obra escrava - foi grande o papel que coube a D. Pedro II.
Culturalmente, o Brasil teve um desenvolvimento muito notável: nas ciências, nas artes, nas inovações técnicas, estávamos, na época, entre as primeiras nações do mundo. E é bem sabido que D. Pedro II dava, nesse sentido, um impulso pessoal muito grande, inclusive auxiliando jovens talentosos que jamais teriam podido desenvolver suas potencialidades se não fossem os auxílios e subvenções que o Imperador lhes concedia. E, bem entendido, concedia de seus próprios recursos, não de verbas do Governo.
Do ponto de vista econômico-financeiro, e apesar das aludidas dificuldades internas e externas, o progresso foi espantoso, a ponto de nossa moeda ser das mais sólidas e estáveis de todo o mundo. É muito justo, pois, que sua memória permaneça viva e sempre reverenciada entre nós.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - Licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Portuguesa da História e da Academia Piracicabana de Letra
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