"Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba", escreveu o Padre António Vieira. Qualquer celebridade humana, por grande que seja, o tempo inexorável a vai solapando, carcomendo, desfazendo em pó...
Venceslau Brás foi presidente da república do Brasil de 1914 a 1918. Quando assumiu a suprema magistratura, era relativamente moço: tinha 46 anos, pois havia nascido em 1868. Deixou o governo aos 50 anos, e só foi falecer em 1966, com 98 anos de idade.
Viveu, portanto, como ex–presidente, uma longa vida cômoda, prestigiosa, sem sobressaltos, no sul do Estado de Minas, na cidade de Itajubá. Toda a glória que um político brasileiro poderia desejar, ele a tinha alcançado. Sua terra natal chegara a adotar o nome de Brasópolis, para homenageá–lo. Em Itajubá, transformara–se em celebridade viva. Todos os governadores de Minas, todos os políticos de expressão nacional que iam a Minas, não deixavam de visitar o velho Venceslau para, como se dizia, "tomar a bênção" do velho cacique político e assegurar seu apoio em qualquer combinação política nova.
Ele assistiu à decadência da Primeira República, à revolução de 1930, à ascensão e queda do ditador Getúlio Vargas, à chamada redemocratização do País, aos governos que se lhe seguiram, à Revolução de 1964, ao início do regime militar.
Tudo se abalava no Brasil, menos o prestígio intocado e intocável de Venceslau Brás, que na simpática cidade de Itajubá permanecia numa espécie de Panteão da Pátria. Naquela cidade, ainda hoje existe, pela memória de Venceslau, um verdadeiro culto, sobretudo em torno do Museu Venceslau Brás, instalado na casa em que ele residiu.
Habituado a toda essa celebridade estava o velho Venceslau, mas...
... mas o tempo correu algumas décadas e na própria Itajubá, para as novas gerações, ele já começava a ser um nome do passado, numa confusa vizinhança com Tiradentes, Mem de Sá ou Pero Vaz de Caminha.
Venceslau só se deu conta dessa mudança profunda e inexorável certo dia em que a realidade o agrediu.
O fato se passou em meados da década de 50. Já quase nonagenário, o antigo presidente ainda dirigia seu automóvel. De todas as partes era saudado pelos moradores mais antigos, todos eles lhe tiravam o chapéu. E, sem descer de seu pedestal de glória, o ancião ia retribuindo as saudações que de todos os lados lhe faziam. De repente, num momento de distração, abalroa outro carro, felizmente sem gravidade! O veículo em que Venceslau batera era dirigido por uma jovem, que levava uma companheira ao lado.
Ainda cavalheiro dos velhos tempos, Venceslau se aproximou das assustadas senhoritas, de chapéu na mão, saudando–as galantemente. Certificou–se de que nada haviam sofrido, pediu desculpas pelo susto que lhes tinha dado e logo as foi tranquilizando pelos aspectos econômicos do acidente.
– Não se preocupem, senhoritas, a culpa foi minha, faço questão de pagar todas as despesas. Estejam tranquilas. Podem procurar Venceslau Brás, e tudo se resolverá.
Ainda atordoada pela batida, a jovem motorista ingenuamente – e cruelmente! – perguntou:
– Venceslau Brás, que número?
Venceslau poderia esperar qualquer reação das jovens... menos que lhe fizessem essa pergunta!
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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