Tive a alegria de reencontrar na Praça José Bonifácio meu grande amigo Esio Pezzato. Estava radiante, 10 quilos mais magro e 20 anos mais jovem. Perguntei que fada operara aquele manifesto milagre. Respondeu que estava chegando da Espanha, onde fizera, a pé, os 814 km do famoso Caminho de Santiago.
Recordei, então, a leitura de um livro fantástico, sobre essa histórica peregrinação. Tem como título “Priez pour nous à Compostelle” (Rezem por nós em Compostela), e como subtítulo “La vie des pélerins sur les Chemins de Saint-Jacques” (A vida dos peregrinos nos Caminhos de Santiago), figurando como autores Pierre Barret e Jean-Noël Gurgand, (Hachette, Paris, 1978, 348pp).
Os dois autores, que fizeram pessoalmente, a pé, o famoso Caminho, compilaram dez relatos de peregrinos de várias classes sociais e provenientes de vários pontos da Europa, que percorreram o mesmo Caminho entre os séculos XII e XVIII. A partir desses relatos (oito dos quais com autores perfeitamente identificados e dois outros, um inglês de 1380 e um florentino, de 1477, com autores anônimos), apresentaram um estudo minucioso das condições de vida dos peregrinos.
O livro é de leitura extremamente agradável e instrutiva, pois traça um quadro completo da vida real no dia-a-dia dos peregrinos. Transcreve também numerosas poesias e orações antigas, encontradas em antigos devocionários compostelanos. Está incluído no volume o relato circunstanciado, também no dia-a-dia, que cada um dos autores fez de sua peregrinação a Compostela. Isso constitui um complemento muito interessante dos relatos históricos de séculos anteriores.
A obra desde logo me pareceu de grande interesse e atualidade, tanto mais que assistimos, nos últimos anos, a uma sensível revalorização do Caminho de Santiago, atualmente uma das mais procuradas rotas turísticas de todo o mundo. Muitos caminhantes, aliás, não seguem essa rota por motivos religiosos ou de misticismo, mas apenas como esporte ou como superação de desafios. É frequente empresários ou executivos fazerem o Caminho no seu "ano sabático", para reavaliação das prioridades da vida num contexto de total afastamento das rotinas de trabalho diário.
São Tiago, ou, contraidamente Santiago, também pode ser designado como Tiago, Iago, Jacó, Jaime, James, Jacques, Jack, Jacobus. É o mesmo nome hebraico Ia'aqob, em formas diferentes, em vários idiomas. Significa “aquele que segura o calcanhar". O primeiro que o usou foi o patriarca Jacó, que era filho de Isaac e de Rebeca, e era irmão-gêmeo de Esaú. Segundo o Gênesis (25,25), quando nasceram os gêmeos, primeiro veio à luz Esaú, e logo em seguida, segurando com a mão o pezinho do outro, Jacó.
São Tiago, o Maior, foi um dos doze Apóstolos de Jesus Cristo, por Ele escolhidos como colunas vivas da sua Igreja. A designação “o Maior” é para diferenciá-lo de outro Apóstolo, São Tiago, o Menor. Os dois Tiagos, aliás, eram aparentados entre si, ambos eram primos de Jesus Cristo. São Tiago, o Maior, apóstolo da Península Ibérica, era irmão de São João Evangelista. Seu pai era Zebedeu e sua mãe era Maria Salomé, uma das mulheres que, de acordo com os Evangelhos, acompanhava Jesus Cristo e Lhe prestava assistência e serviços.
A família de São Tiago não parece ter sido pobre. Seu pai era pescador, como São Pedro, profissão que na época se revestia de respeitabilidade. Em termos modernos, poderíamos dizer que era um pequeno empresário da pesca. Sabemos pelos Evangelhos que tinha criados ao seu serviço.
São Tiago foi escolhido como discípulo do Senhor quando, depois de concluída uma pescaria, consertava as redes. Imediatamente ele e seu irmão João deixaram o pai, os criados e as redes na barca, passando a seguir a Jesus Cristo. São Tiago foi o primeiro dos doze Apóstolos a derramar o seu sangue, como Mártir, para dar testemunho de Jesus Cristo (Atos, 12,2). Foi decapitado pela espada, por ordem de Herodes Agripa, por volta do ano 42 d.C..
De acordo com uma tradição muito antiga e bem assentada, da qual faz eco, no século VII, Santo Isidoro de Sevilha (Patrística Latina, 83,151), quando ocorreu a dispersão dos Apóstolos pelo mundo, para cumprirem o mandado de Nosso Senhor "Ide e pregai a todas as nações", São Tiago se dirigiu à Península Ibérica, lá esteve algum tempo e, depois, retornou a Jerusalém, onde sofreu o martírio.
Ainda de acordo com relatos muito antigos, os quais dão base a uma tradição muito sólida, o corpo do primeiro Apóstolo martirizado foi levado de Jerusalém para o porto de Jafa, onde foi embarcado e conduzido por dois discípulos seus até Iria, no Norte da Península Ibérica. Os relatos antigos não esclarecem a razão dessa viagem. Terá, talvez, o Apóstolo determinado, antes de morrer, que seus restos mortais fossem levados para a terra na qual pregara o Evangelho?
Voltaremos ao assunto.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS , é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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