A meu ver, o "segredo" das instituições políticas do Império brasileiro não estava tanto em fórmulas políticas bem concebidas e executadas, mas estava muito mais num teor de relacionamento humano, entre o Imperador e seus súditos profundamente afim com o modo de ser e de pensar do brasileiro, e atendendo às aspirações mais profundas e mais caras de nosso povo.
No "Parlamentarismo à brasileira" estava presente, sem dúvida, algo do que há de essencial no regime parlamentarista inglês, mas tomando em consideração o feitio psicológico do brasileiro, que tende naturalmente a depositar sua confiança e até seu entusiasmo não tanto em meras fórmulas políticas abstratas e impessoais - quase como num teorema de geometria - mas sobretudo em personalidades de escol revestidas de verdadeiro poder político e dotadas do clássico "jeitinho" para governar. Isso atraía para o governo e as instituições um verdadeiro afeto e a confiança do país.
O arquétipo desse modo brasileiro de governar foi D. Pedro II.
Ele não extrapolava suas funções imperiais, e respeitava escrupulosamente os limites que a Constituição fixava para sua atuação; mas as funções que lhe cabiam - em larga medida representadas pelo Poder Moderador - fazia questão de as exercer em toda a sua plenitude. Entretanto, nesse exercício, que os oposicionistas do regime chamavam de "Poder Pessoal", a força de direção que dele emanava provinha menos do fato de ele ser o titular do Poder Moderador do que do fato de ser ele um brasileiro arquetípico pelo qual nosso povo se sentia compreendido e amado paternalmente e além do mais dirigido com um senso psicológico todo paterno. Sentia-se que o Imperador via em cada brasileiro um filho; e a imensa maioria dos brasileiros via nele um pai.
Se houve no Brasil um parlamentarismo bem sucedido é porque foi praticado nesse enquadramento psicológico e afetivo.
O elemento distintivo do "Parlamentarismo à brasileira" não era só ser um parlamentarismo monárquico; não era só ser um parlamentarismo monárquico exercido com Poder Moderador; mas era ser um parlamentarismo monárquico exercido com Poder Moderador dentro desse enquadramento psicológico e afetivo entre o soberano e os súditos.
Se D. Pedro II não exercesse o Poder Moderador e se fosse reduzido a mero símbolo sem nenhuma capacidade de influir na vida política, muito dificilmente poderia ter desempenhado o papel grandioso que desempenhou. É por isso que afirmo que o Poder Moderador possibilitou o "segredo" que assegurou o sucesso da monarquia brasileira. Mas não bastava o Poder Moderador, como não bastava o sistema monárquico, e, menos ainda, bastava o mero parlamentarismo.
Sem dúvida, D. Pedro II foi um homem excepcionalmente bem dotado para fixar o modelo ideal de monarca brasileiro. No seu tempo, talvez tenha sido o único homem capaz disso. Em quase todas as monarquias europeias houve, em épocas diversas, grandes reis que representaram, em seus países, papel análogo ao que D. Pedro II representou no Brasil.
Uma vez fixado esse modelo ideal, a tendência dos seus legítimos sucessores é se inspirarem naquele modelo humano, naturalmente adaptando-o ao próprio modo de ser, às mutações dos tempos e das circunstâncias. Mesmo descendentes menos dotados do que o modelo podem dar continuidade à obra iniciada por aquele antepassado de dimensões extraordinárias. Essa continuidade de uma obra através das gerações é característica das monarquias; sua ausência é uma das maiores fraquezas das repúblicas.
No Brasil, nos três períodos em que assumiu a regência do Império em nome de seu pai - totalizando três anos e meio de regência - a Princesa Isabel deu suficientes mostras de que, com a bondade e a delicadeza características do sexo feminino, teve o pulso e a energia para bem desempenhar seu papel. Ela estava inteiramente à altura de prosseguir a obra de D. Pedro II. E a tendência natural é que esses dotes de governo se perpetuem de geração em geração, pelos legítimos sucessores. Carecem, pois, de fundamento, certos republicanos que reconhecem ter sido o Império bem sucedido, mas atribuem tal sucesso exclusivamente à envergadura excepcional de D. Pedro II, o qual não teria sucessores à sua altura.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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