Há dias, propuseram-me, em forma de desafio, que eu apresentasse um projeto de museu que, no meu modesto modo de entender, seria bom que Piracicaba tivesse.
Os eventuais leitores destas linhas talvez se surpreendam pelo inusitado da proposta que farei, mas posso assegurar que ela é fruto de um projeto no qual muito refleti. Se for utópico, paciência, parece-me que um pouco de utopia pode fazer bem ao equilíbrio geral da humanidade. E também ao nosso equilíbrio psicológico e emocional.
Falei, no último artigo, do Comfort Food, movimento de gastrônomos e nutricionistas que valoriza os alimentos que trazem ao espírito de cada pessoa recordações boas de suas respectivas infâncias, com as sensações e os estímulos bons evocativos daquele período de suas existências. Foi de pensar muito no Comfort Food que me ocorreu a ideia de propor a constituição de um Museu dos Odores e dos Sabores, que poderia ser simplesmente designado pela sigla MOS, que em latim significa costume, hábito, uso constante.
Vivemos num tempo de globalização, de cosmopolitização, de padronização. É cada vez mais raro termos o gosto de cheirar e saborear algum alimento feito em casa, com carinho, com capricho, com o condão maravilhoso de nos remeter à infância.
Esse é o segredo do sucesso de empresários que têm discernimento e tino comercial e sabem explorar esse filão de ouro das necessidades psicológicas do público moderno, lançando iniciativas de sucesso. Empresas que vendem bolos caseiros, por exemplo, estão se multiplicando e têm clientela fiel. São bolos tradicionais, não feitos industrialmente, mas de acordo com velhas receitas exumadas de antigos receituários e caderninhos manuscritos de outrora.
O desejo que eu teria seria um museu em que se procurasse, sistematicamente, restaurar os cheiros e os sabores de antigamente.
Como fazer isso? Sinceramente, não sei ao certo.
Uma possibilidade seria esse museu ter salas e ambientes montados e decorados de modos variados, que remetessem a outras eras. Um salão do século XIX, uma cozinha de fazenda ou de roça antiga, um armazém “de secos e molhados” (como ainda pegamos em nossa remota infância) com postas de bacalhau empilhadas e imensas tinas cheias de azeitonas em salmoura, um curral de onde se tira leite no contexto (e até com os odores e prosaísmos próprios) de um curral, uma cozinha cheia de presuntos e linguiças penduradas (por favor, não me falem em colesterol, sim? Isso é palavrão! Nem em dietas e regimes. Isso é pecado!), um pomar em que as goiabas tenham bicho, mas também sejam saborosas e que não nasçam já pudicamente embrulhadas naqueles saquinhos de papel celofane, mas insípidas e com consistência de isopor... Enfim, são tantas as possibilidades que nem há como enunciar todas aqui.
Os visitantes poderiam, livremente, ser incentivados a se integrarem nesses ambientes, a eles mesmos acenderem o fogão de lenha, a prepararem seus alimentos, a convidarem outros a saboreá-los. Seria, portanto, um museu interativo, onde os visitantes não se limitassem a uma contemplação passiva, mas participassem do ambiente, ajudassem a produzir o ambiente, mergulhassem juntos no passado, com seus cheiros e seus sabores inconfundíveis. Seria um museu com algo de clube, algo de casa de família, algo de espaço de lazer.
Acredito que uma coisa dessas, se descer um pouco do nível dos sonhos em que a estou colocando neste artigo descompromissado e for assentada mais concretamente, sobre bases reais, poderia ser algo fabulosamente incrível.
Esse museu não precisa de acervo grande nem caro, já que o acervo mais precioso dele é constituído pelas memórias recônditas das próprias pessoas que o visitam. Local? Qualquer casarão antigo, de cidade ou da zona rural, serve perfeitamente. O que importa é transportar psicologicamente as pessoas para esse ambiente, bem diverso dos museus habituais de tipo “ISO-9000”, com dependências climatizadas, cheio de aparelhos contra incêndio e de placas “proibido fumar”.
Aliás, um cheirinho de cigarro de palha, nesse ambiente, até não ficaria mal... Ou uma caixinha de oloroso rapé...
Também não precisaria de custosos aparelhos de ar condicionado. Para que usá-los, se os leques e os abanos são tão mais poéticos, além de não produzirem alergias nem infecções respiratórias?
Som? Sim, pode ter som, não há dúvida, desde que ninguém pense em aparelhos estereofônicos ambientados com high fidelity. No máximo, um velho rádio, de válvulas, transmitindo um programa inesquecível como “Nos caminhos da saudade”, do meu amigo Fábio Cardoso Monteiro.
Como veem, o projeto está ainda muito embrionário. Se alguém quiser dar sugestões ou fazer críticas, por favor, não se omita.
Será apenas um sonho?
Talvez. Mas, como escreveu Fernando Pessoa, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História e da Academia Ptracicabana de Letras.
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