O movimento monarquista vem encontrando, no Brasil atual, um clima favorável para sua expansão. Multiplicam-se os Círculos Monárquicos, realizam-se em sucessão os Encontros Monárquicos regionais e um número cada vez maior de jovens esperançosos e cheios de futuro acorrem a nossas fileiras. Uma pergunta que muitos deles fazem é como explicar a proclamação da República. Como foi possível que um Império estável e bem sucedido desabasse, de repente, de modo tão espetacular, a ponto de surpreender aos próprios republicanos?
O declinar do Império acompanhou, passo a passo, o declinar da própria saúde de D. Pedro II, personalidade marcante, profundamente entranhada no imaginário e na mentalidade dos brasileiros. De tal modo ele representava, simbolizava e personificava toda uma ordem de coisas política, social e cultural que, por assim dizer, generalizou-se a ideia de essa ordem não poderia sobreviver ao velho monarca.
O que faltou foi uma maior explicitação e conscientização de que o regime monárquico transcende muito a pessoa de um monarca, por mais paradigmático e carismático que ele seja. Faltou uma fundamentação doutrinária que, expressa em termos acessíveis aos homens da época, representasse um "exorcismo" suficientemente poderoso para resistir às tentações e aos cantos de sereia das novidades republicanas.
Faltou, igualmente, uma campanha de propaganda inteligente e bem articulada que chamasse a atenção da opinião pública para os grandes predicados pessoais da Princesa Isabel, que sem dúvida estava à altura de conduzir, após a morte de seu pai, os rumos nacionais. Com sua formação católica e sua fina sensibilidade feminina, ela teria sabido consolidar tudo quanto havia de bom no reinado de D. Pedro, corrigindo de modo jeitoso os pontos que inegavelmente precisavam ser corrigidos. Ela teria sabido levar o indispensável trabalho de inserção condigna, na sociedade e na vida econômica do Império, dos libertos do cativeiro. Ela teria sabido promover a imigração, a expansão da fronteira rural, o crescimento populacional e, mais tarde, quando chegasse a hora adequada, a industrialização do país – tudo isso de modo temperante, equilibrado e adequado ao modo de ser e à índole do povo brasileiro. A própria federalização do país, que já era anseio de muitos monárquicos muito antes de ser uma reivindicação republicana, e uma mudança no sistema eleitoral (já preconizada pelo próprio D. Pedro, nas instruções escritas que deixou a sua Filha quando esta, pela primeira vez, assumiu a regência do Império), poderiam se ter dado naturalmente. Em suma, com um terceiro reinado isabelino, todas as inevitáveis transformações políticas, econômicas, sociais, culturais, poderiam ter ocorrido numa linha geral de continuidade e sem rupturas traumáticas em relação ao passado.
Os republicanos pareciam temer o terceiro reinado, que se tivesse ocorrido com esplendor e brilho teria por certo afastado para sempre suas pretensões. Daí se empenharem tanto na campanha sistemática para denegri-la e humilhá-la. Mostravam-na como beata de igreja, ignorante e pouco esclarecida; diziam ser ela influenciada e conduzida pelo Conde d´Eu, ao qual também denegriam de todas as formas. Não houve uma contrapropaganda articulada à altura.
Geralmente se atribui a proclamação da República a três causas principais: a abolição da escravatura, a questão militar e a questão religiosa. Esses pontos, realmente, sinalizam três importantíssimos apoios do antigo regime que, por razões diversas, lhe foram retirados e permitiram o advento da República.
A abolição, sobretudo tendo se realizado às vésperas de uma colheita, produziu grande descontentamento entre os proprietários rurais, força conservadora de grande prestígio social e político, de si um dos sustentáculos do regime. Os republicanos, que mais tarde se gabariam de terem sido abolicionistas, eram, na sua maioria, escravocratas e criticaram o Treze de Maio.
A questão militar deveu-se à falta de habilidade política dos gabinetes que governaram o país desde o final da Guerra do Paraguai. Estando em ascensão uma nova classe dirigente civil, já formada nas academias de Direito e não mais saída, como outrora, das academias militares ou das fileiras da Guarda Nacional, os militares foram se sentindo cada vez mais alijados dos grandes postos administrativos. Um pouco de diplomacia e jeito teria resolvido o problema, mas sucessivas medidas foram tomadas de modo a desagradar as cúpulas do Exército.
Por fim, a bem conhecida questão religiosa cindiu a tradicional sustentação mútua Trono-Altar. Nesse ponto concreto, é inegável a contradição interna do regime, que, rejeitando a fundamentação religiosa de sua remota origem, de fato recusou o apoio de seu mais sólido sustentáculo moral.
Todos esses aspectos foram apontados no livro “Sob o Cruzeiro do Sul”, escrito pelo Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança (1878-1920), filho mais velho e herdeiro dinástico da Princesa.
Outro elemento também contribuiu, a meu ver de modo decisivo, para o fim do Império. Para quem leu "Ordem e Progresso", de Gilberto Freyre, fica claro que havia um certo fator psicológico presente nas camadas superiores da sociedade brasileira nas últimas duas décadas do regime monárquico, por onde o advento da república parecia incoercível. Até mesmo monarquistas ferrenhos pouco a pouco foram se resignando à ideia de que a república significava o futuro. Alguns até reconheciam a república como um ideal em tese desejável, se bem que não alcançável a prazo breve. O próprio D. Pedro II, segundo se afirmava, teria declarado que preferiria ser presidente de uma república a imperador.
A doutrina e a mentalidade positivistas que então impregnavam a sociedade considerada moderna viam a História como o resultado de uma evolução incoercível, e a transição da monarquia para a república seria etapa necessária de tal evolução. Só não se sabia quando se daria essa transição. Assim sendo, o debate entre monarquistas e republicanos já não mais se travava sobre as virtudes e vantagens de cada regime político, mas passava a ser sobre se convinha ou não fazer logo a mudança. Os monarquistas já não tinham coragem de combater a república em seus pressupostos doutrinários e ideológicos, mas timidamente limitavam-se a dizer que o Brasil "ainda não estava preparado" para tornar-se uma república.
Os propagandistas republicanos gozavam no Império da mais ampla liberdade. Eram muito poucos e eleitoralmente não tinham expressão, mas eram influentíssimos, por efeito de uma propaganda bem conduzida e de artifícios que hoje chamaríamos de ação psicológica. Em todos os ambientes das camadas superiores da sociedade penetravam suas ideias com o sabor ardido da novidade e do futuro.
A tal ponto ter simpatia por elas virou moda nos últimos anos do Império que, certa ocasião, um deputado – Martinho Campos – confessou em plenário envergonhar-se de ser monarquista. E Joaquim Nabuco declarou noutra ocasião ser necessária mais coragem para alguém se afirmar abertamente monarquista do que para se professar republicano. Ambos os fatos são relatados por Affonso Celso no seu livro "Oito anos de Parlamento" (Editora UNB, Brasília, 1981, p. 110). O próprio Affonso Celso, embora filho de um dos mais destacados líderes políticos do Segundo Reinado – o Visconde de Ouro Preto – e membro da jeunesse dorée do Império, fez seu discurso de estreia na Câmara, a 28 de fevereiro de 1882, declarando-se favorável à República (op. cit., p. 104).
Recordo de ter lido, nas Memórias de Chateaubriand, que ele, ainda jovem, serviu no exército contrarrevolucionário do Duque de Brunswick, formado por emigrados da nobreza para combater a Revolução Francesa. Da narração de Chateaubriand se depreende que esse exército não poderia estar fadado senão à derrota, já que os jovens aristocratas que serviam em suas fileiras estavam profundamente impregnados da mentalidade enciclopedista e voltairiana, e nutriam admiração pelos ideais revolucionários que, não por convicção, mas por mera força de um atavismo familiar, combatiam com armas na mão.
Analogamente, nos anos 70 e 80 do século XX, quando o domínio mundial do comunismo parecia inevitável, muitos burgueses amolecidos declaravam-se simpatizantes do socialismo e diziam ser ele o regime do futuro, contra o qual era impossível resistir. A esse ponto havia chegado a falta de convicção na justiça da causa que teriam todo o interesse em defender.
Esses dois exemplos, o do exército amolecido e pouco motivado de Brunswick, e o da burguesia mais recente a que me referi, parece-me que servem como referenciais para se compreender como o Brasil monárquico de 1870-1889 foi sendo minado e conduzido a perder a convicção da legitimidade de seu sistema.
Acrescente-se a isso o mimetismo, o espírito imitativo e macaqueador tão próprio do nosso povo, e compreende-se que tenha preferido imitar o modelo das republiquetas hispano-americanas. Infeliz e nefasta opção, cujas consequências até hoje nosso pobre país está sofrendo...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - É licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
D.PEDRO II, Imperador do Brasil
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