A Revolução Industrial, ademais de consequências econômicas e sociais muito profundas, também abalou em profundidade os referenciais culturais e estéticos das sociedades europeias e, por extensão, do mundo inteiro.
É muito difícil, para nós, avaliarmos o profundo impacto que causou, na geração de nossos bisavós, o aparecimento e a divulgação da fotografia. Aparelho misterioso aquele que, graças à concentração dos raios de luz através de uma objetiva de cristal, marcava uma chapa inicialmente de vidro, depois de celulose, e esta, depois de quimicamente processada, permitia que se fizesse o procedimento inverso, ou seja, novamente passava por ela a luz, filtrada por uma objetiva, e impregnava uma folha de papel, a qual, quimicamente processada, revelava com nitidez espantosa a realidade primeiramente captada pelo misterioso aparelho!
É verdade que tudo isso se fazia em preto e branco. Não se fazia em cores. A fotografia colorida, então, pareceria algo impossível, ou pelo menos uma realidade apenas muito remotamente “futurível”. Mas logo surgiram pintores hábeis que se dedicaram a colorir, com aquarela, fotografias, produzindo efeitos surpreendentes, de grande beleza. Não tinham, claro, o realismo obtido hoje em dia, com nossas câmeras fotográficas, mas para os homens do tempo, pareciam prodigiosas réplicas da realidade que viam diante de seus olhos. Ainda hoje, são muito numerosos os colecionadores de cartões postais antigos, muitos dos quais coloridos manualmente por artistas. O colecionador João Emílio Girodetti – meu amigo e confrade no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – publicou uma série de livros, nos quais reproduziu e comentou belos postais sobre a cidade de São Paulo, sobre o litoral paulista, sobre cidades do interior de nosso Estado etc.
A fotografia, assim, passou a focalizar imagens da realidade... com tanto realismo, que pôs em cheque as melhores produções acadêmicas. Houve até quem imaginasse que a pintura, enquanto arte, estava com seus dias contados e tenderia a desaparecer. Não foi o que aconteceu, como sabemos, mas Isso teve um duplo efeito. De um lado, propiciou que, por via de comparação, a pintura acadêmica fosse assimilada à literatura romântica, idealizadora e até certo ponto distorcedora da realidade, sendo, por isso mesmo, objeto de crítica e de contestação. E, por outro lado, as várias artes tenderam a imitar o realismo fotográfico, buscando reproduzir a realidade a exemplo da fotografia.
A uma época em que as certezas absolutas da ciência eram erigidas à altura dos antigos dogmas religiosos, tudo parecia muito simples e redutível a sistemas e fórmulas. Foi nessa época que, em matéria de História, surgiu a escola positiva ou metódica, que pretendia sistematizar a História de modo a alcançar uma verdade histórica objetiva, com a mesma certeza e confiabilidade de um cálculo matemático. Durante algum tempo, esse dislate foi apregoado e aceito como a última palavra da modernidade, da verdadeira Ciência...
Surgiu, então, o impressionismo, que foi sem dúvida um movimento de protesto contra os excessos do academicismo e, mesmo, do realismo. O caráter impreciso e até certo ponto relativista dos impressionistas correspondeu a uma análoga tendência para o abandono das certezas absolutas em matéria científica e ideológica.
O impressionismo trouxe, a meu ver, um elemento novo, extraordinariamente enriquecedor para a Arte. O sistema de não pintar os objetos recortados e bem delineados, mas pintá-los meio esfumaçados, meio borrados, força a pessoa que contempla o quadro a não recebê-lo passivamente, mas a “recriá-lo” em sua ótica própria.
O contemplador de um quadro impressionista exercita, pois, sua imaginação ao ver e analisar um quadro. De mero admirador passivo, ascende, pois, à condição quase de “co-criador” do quadro.
Não foi só nas artes plásticas que a Revolução Industrial deixou sua marca. Na Literatura, essa marca é muito viva e fácil de notar. Em outra ocasião, voltaremos ao tema.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
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