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Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2022
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - POR QUE SÓ BACHARÉIS EM DIREITO FAZEM EXAME DE ORDEM ?

 

 

 

 

 

Armando Alexandre dos Santos.jpg

 

 

 

 

Há cerca de 40 anos, foi instituído no Brasil o famoso “Exame da Ordem”, destinado a aferir quais os bacharéis em Direito que estão efetivamente aptos ao exercício das funções de advogado. Durante décadas, esse exame esteve a cargo das representações estaduais da OAB, e mais recentemente passou a ser unificado em todo o território nacional - para evitar o recurso cômodo de candidatos se inscreverem em outros estados, nos quais, real ou supostamente, os exames fossem mais fáceis, mais “camaradas”.

Houve muita polêmica acerca desse exame, até mesmo sobre sua constitucionalidade, mas ele se firmou e é fato consumado. Hoje, ninguém pensa, seriamente, em aboli-lo.

Eu diria que ele é um mal necessário, um mal indispensável. O ideal, claro está, seria que as faculdades de Direito autorizadas a funcionar tivessem, em todo o Brasil, tão excelente nível que um diploma expedido por qualquer uma delas significasse, per se, a aptidão de seu portador para o pleno exercício da profissão. Mas, notoriamente, isso está muito longe da realidade.

Vejamos alguns números, um tanto desatualizados, já que referentes a 2010:

O país com maior número de advogados do mundo é os Estados Unidos, com cerca de um milhão de advogados (para uma população de mais de 300 milhões de habitantes). Quase o mesmo número de advogados tem a Índia, para uma população que é quase 4 vezes maior que a dos EUA e quase 6 vezes maior que a brasileira.

Aqui no Brasil, em 2010 eram 713 mil os advogados inscritos na OAB; e eram cerca de 3 milhões os bacharéis em Direito não inscritos na Ordem. Esses dados foram obtidos no blog Exame de Ordem, mantido pelo advogado Maurício Gieseler, de Brasília.

Isso torna o Brasil, proporcionalmente, o país que mais tem advogados (e sobretudo bacharéis não advogados) no planeta. Segundo lemos no mesmo blog, o Brasil, sozinho, tem mais faculdades de Direito do que todo o resto do mundo.

Embora seja muito grande a concorrência nas diversas carreiras jurídicas, as faculdades de Direito continuam a atrair contingentes enormes de novos estudantes e, a cada ano, despejam no mercado de trabalho cerca de 100 mil novos bacharéis, dos quais somente uma parcela muito reduzida (ou melhor, uma ínfima minoria) consegue aprovação no Exame de Ordem. Raríssimos são os que obtêm aprovação na primeira tentativa, sendo que muitos, dos aprovados, só o foram porque fizeram cursinhos preparatórios para o Exame. O objetivo de tais cursinhos de pós-graduação sui generis é tentar ensinar, em poucos meses, aquilo que as faculdades foram incapazes de ensinar ao longo dos dez semestres de curso regular.

Diante disso, a pergunta que se impõe é se não deveria haver, para o exercício de outras profissões, análogos “Exames de Ordem”. Por que submeter bacharéis em Direito a um exame que é, convenhamos, até certo ponto humilhante para a classe, e dispensar de um exame igualmente rigoroso médicos, dentistas, engenheiros, professores, economistas etc.?

Vejamos o caso dos médicos, que lidam com vidas humanas e, portanto, têm uma responsabilidade enorme, já que as consequências de um erro profissional podem ser irreparáveis.

O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de SP) efetua anualmente um exame para estudantes do último ano das escolas de Medicina do Estado. Esse exame já se realiza há tempos, e há muita polêmica sobre se ele deve ou não ser obrigatório para a emissão do título profissional que habilite à prática da Medicina.

Transcrevo de notícia publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, de 27/8/2018: “Alunos do 6.º ano e recém-formados em Medicina conseguiram, pelo segundo ano consecutivo, superar os 60% em aprovação no exame do Cremesp, teste realizado há 14 anos que avalia os conhecimentos dos profissionais que vão atuar na área. (...) Os resultados do exame (...) apontaram que 61,8% dos 3.174 participantes do Estado de São Paulo acertaram mais de 60% das 120 questões da prova, porcentagem mínima que o conselho considera para a aprovação. O número ficou abaixo do alcançado no ano passado, quando 2.636 pessoas fizeram a prova e o índice de aprovados foi de 64,6% - em 2017, foi a primeira vez em dez anos que o índice ficou acima dos 60%.”

Mais adiante, prossegue a notícia: “O exame mostrou ainda que os médicos continuam cometendo erros em situações e problemas de saúde que aparecem com frequência. De acordo com o levantamento, 86% dos recém-formados erraram a abordagem inicial para atender vítimas de acidentes de trânsito. Os resultados mostraram ainda que 69% não acertaram as diretrizes para aferir pressão arterial e 68% não sabiam como proceder diante de um paciente com enfarte no miocárdio.”

Que pensar disso?

A meu ver, seria indispensável um exame rigoroso para os médicos saídos de nossas faculdades de Medicina e, ainda mais rigoroso, para aqueles que fizeram seu curso no Exterior (nas tão afamadas escolas de Medicina de Cuba, por exemplo) e pretendem aqui revalidar seus diplomas. Afinal de contas, saúde é coisa muito séria!

 

 

 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS  -  é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.



publicado por Luso-brasileiro às 13:36
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