No início de 1864, estavam sendo prejudicados, pelas conturbações internas do Uruguai, brasileiros ali residentes. Calcula-se que cerca de 20 % da população então residente no Uruguai se constituía de brasileiros. Havia violências, arbitrariedades, até mortes. Isso, não apenas no Uruguai, mas até mesmo dentro do território brasileiro, já que as fronteiras eram pouco definidas e muito permeáveis. Havia contínuas queixas ao Governo Imperial e pedidos de intervenção, para restabelecimento da ordem. A situação ficou tão insustentável que se receava que, a não tomar o governo brasileiro alguma medida mais enérgica, os gaúchos, sponte propria, o fizessem, com grave risco de secessão no Império brasileiro.
O Império, então, com apoio do governo argentino, resolveu mandar uma missão diplomática ao Uruguai, chefiada pelo Conselheiro José Antônio Saraiva, com finalidade pacificadora e tendo em vista garantir o direito e a segurança dos brasileiros ameaçados.
O Imperador, nas instruções dadas a Saraiva, frisou três pontos: 1) o Brasil devia em princípio abster-se de tomar posição na luta interna do Uruguai; 2) devia fazer uma reclamação enérgica, em favor dos brasileiros domiciliados naquele país; 3) somente em caso de ser desprezada essa reclamação, como última razão, seria empregada a força militar.
Saraiva se entendeu com o argentino Mitre, que à distância e discretamente lhe dava apoio; entendeu-se também com representantes britânicos sediados em Buenos Aires (extra-oficialmente, já que o Brasil, em decorrência da Questão Christie, tinha rompido relações diplomáticas e comerciais com o Reino Unido) e, depois de bem assentada a sua posição, propôs, como meio para acabar com a agitação interna do Uruguai, a convocação de eleições livres no país. Mas o governo de Aguirre recusou, porque não queria correr o risco de ser apeado do poder. À distância, Solano López dava total apoio a Aguirre e o açulava, prometendo sustentá-lo.
Aguirre endureceu cada vez mais sua posição e tornou impossível o diálogo. Seguiu-se um ultimato de Saraiva, que foi devolvido de modo pouco educado pelo governo de Aguirre. Solano López teve, então, a imprudência de mandar um ultimato ao governo do Império, dizendo que consideraria casus belli qualquer interferência brasileira no Uruguai. Ao que parece, Solano López não imaginava que o Brasil de D. Pedro II ousasse desafiar o Paraguai, que era sabidamente a primeira potência militar de toda a América do Sul e estava armado até os dentes. Era um país pequeno e dependente da navegação do Rio da Prata para comunicar-se com o exterior, mas mantinha perto de 80 mil homens em armas e possuía armamento moderno, comprado na Europa. O Brasil tinha, em seu exército, menos de 20 mil homens, dispersos por todo o Império e seu armamento um tanto envelhecido nem de longe podia equiparar-se ao dos paraguaios. Somente a Marinha de Guerra brasileira estava mais bem preparada para um conflito e tinha nítida vantagem sobre a paraguaia. Segundo o Visconde do Rio Branco, López esperava que o Brasil recuasse, que Aguirre se mantivesse no poder no Uruguai, que seu aliado Justo José de Urquiza (blanco argentino que fazia oposição a Mitre e “flertava” com López) o apoiasse e ele saísse prestigiado da troca de ultimatos.
Mas D. Pedro II não transigia com a honra nacional. A Marinha Brasileira, comandada pelo Almirante Barão de Tamandaré, a 11 de agosto de 1864 iniciou a execução de algumas represálias contra o Uruguai, cumprindo os termos do ultimato anterior. Aguirre, a 3 de setembro, rompeu relações com o Império e despediu a representação diplomática brasileira. A 7 de setembro, as tropas brasileiras entraram em território uruguaio. Era um corpo de 5 mil homens, comandados pelo General João Propício de Mena Barreto, auxiliado pelos colorados locais, chefiados pelo General Venâncio Flores. Após algumas semanas de luta, com Montevidéu bloqueada pela Marinha brasileira e cercada pelas tropas brasileiras e pelas de Flores, Aguirre caiu nos primeiros dias de 1865, subindo ao poder o governo colorado de Flores, aliado a Mitre e ao Império.
A essa altura, a guerra com o Paraguai já estava em curso.
López, na lógica do seu imprudente ultimato, tinha apresado, antes mesmo de declarar guerra formal, o vapor Marquês de Olinda, que conduzia à Província de Mato Grosso o seu governador, invadindo poucos dias depois o território matogrossense. Ao mesmo tempo, para invadir o Rio Grande do Sul, cometeu a imprudência de penetrar em território argentino, nas províncias de Entre-Ríos e Corrientes, onde seu amigo Urquiza tinha forte base política. Eram províncias que o Paraguai de longa data cobiçava.
Até esse momento, a República Argentina se mantivera simpática ao Brasil e aos colorados uruguaios, mas não parecia disposta a se envolver diretamente no conflito. Uma vez invadido seu território, viu-se envolvida nele, de modo que impôs-se a consolidação da Tríplice Aliança. O Paraguai se viu isolado e cercado. A “Maldita Guerra” estava apenas começando...
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS - é licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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