O fim da Belle Époque é unanimemente situado em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, mas seu começo é mais discutido. Alguns o colocam em 1870, com a Guerra Franco-Prussiana, seguida da queda de Napoleão III, da Comuna de Paris, do estabelecimento e consolidação da Terceira República francesa. Outros preferem situar o início da Belle Epoque mais para o fim do século XIX, assinalando como marco a Exposição Universal de Paris, de 1889.
Desde um ponto de vista cultural, mais do que político, podemos afirmar que a Belle Époque constituiu um período mais ou menos prolongado, no qual as ciências progrediram de modo muito rápido e acentuado, assim como as artes e a cultura em geral, acompanhando paralelo desenvolvimento econômico e dentro de um quadro de relativa tranquilidade política no continente europeu. Esse período marcou uma fase de otimismo desenfreado, de autossuficiência, de certeza de que o mundo, afinal, estava chegando à sua era de ouro.
Do ponto de vista psicológico, a Belle Époque foi, também, uma era de grande euforia. O anseio que, desde os tempos do Iluminismo, tomara conta da Europa inteira, parecia em vias de se realizar: a técnica, a Ciência, acabaria por extinguir todos os males, todas as doenças. Realmente, na Belle Époque ocorreram progressos assinalados em muitas ciências. A Medicina e a Biologia deram verdadeiros saltos. A Química, a Física, a Engenharia, igualmente avançaram de modo notável.
Embora a primazia econômica, em nível internacional, já estivesse em posse da Inglaterra e em vias de passar para o âmbito dos Estados Unidos, culturalmente a França ainda era a capital indiscutível do globo inteiro. Pode-se, mesmo afirmar que a Belle Époque marcou o apogeu do predomínio cultural francês no mundo.
Hoje, com o predomínio maciço do norte-americanismo, do american way of life, é difícil, para as gerações mais novas, avaliar o que foi, no passado, a influência da França. Quando a França espirrava, o resto do mundo assoava o nariz - dizia-se correntemente. O francês era o segundo idioma de qualquer pessoa culta, em qualquer parte do mundo. Era a língua internacional da diplomacia. Em francês eram redigidos os tratados internacionais, em francês eram feitas as comunicações em congressos científicos.
Em 1910, visitou o Brasil o jornalista e político francês Georges Clemenceau. No livro que escreveu, com anotações de sua viagem, comentou, a respeito de São Paulo, que, como todas as pessoas com quem ele se relacionou falavam o francês com perfeita correção e quase sem sotaque, ele às vezes tinha que fazer força para admitir que estava num país estrangeiro e não estava numa província francesa.... É claro que, nessa viagem, Clemenceau somente se relacionou com pessoas das elites culturais e políticas, não podendo ter acesso a outros segmentos sociais majoritários. Mas, mesmo assim, como indício da influência cultural francesa, o depoimento é muito significativo.
A Belle Époque foi um período prolongado de paz na Europa (pois eram jogados para outros continentes, menos felizes, os embates bélicos causados pelos diversos interesses europeus em oposição), de acentuado progresso econômico, e essas duas circunstâncias propiciaram um desenvolvimento extraordinário da cultura em geral.
A literatura teve manifestações inovadoras, nas artes surgiram estilos novos, como o impressionismo e o art-nouveau, houve a chegada do cinema, a difusão do telefone, do telégrafo sem fio e da luz elétrica, das bicicletas, dos automóveis e dos aeroplanos, firmando-se assim a crença inabalável no mito do progresso.
No período ocorreu, também, uma grande expansão imperialista das potências europeias, que, literalmente, repartiram entre si o mapa da África. Os europeus, inflados de orgulho pelo brilho da sua civilização, julgavam-se com a missão de verdadeiros apóstolos do progresso, junto aos povos considerados inferiores.
Também foi um período de fermentação cultural e ideológica muito fecundo, com grandes polêmicas de natureza política (monarquia x república e conservadores x radicais), social (com o aparecimento de várias correntes anarquistas ou de fundo socialista, contestando abusos do sistema capitalista), religiosa (laicistas x católicos), até mesmo étnico-raciais (o famoso affaire Dreiyfuss).
Foi nesse ambiente que teve início, em 1905, a publicação das historietas de Bécassine, a primeira personagem feminina de histórias em quadrinhos. É o que se verá no próximo artigo.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.
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