Olho para a tela em branco e meu coração acelera. Não consigo pensar em outra coisa. Tenho buscado alguma leveza para essas horas infindáveis. Impossível assistir aos noticiários ou mesmo ler jornais. Notícias verdadeiras se misturando com falsas. Exageros disputando espaço com descaso. A sanidade mental das pessoas querendo se equilibrar a todo custo, sobre um fio que balança o tempo todo, ora pelo vento, ora pela loucura dos demais.
Começo o dia alimentando nossos animais de estimação. Até eles andam estranhos e, talvez pura loucura minha, mas tenho a sensação de que me olham sem nada (ou tudo) entenderem. Sem passear há mais de uma semana, as cachorras já desistiram de me convencer a sair. Nem mesmo me acompanham afoitas nas poucas vezes que vou até a porta de entrada. Aqui dentro tudo parece congelado, estático.
A árvore do vizinho, uma quaresmeira, derruba todos os dias um tapete de pétalas roxas no meu pequeno quintal, que amanhece simplesmente forrado. Teria eu nunca reparado na quantidade absurda de flores ou nesse ano ela também achou um jeito de se lamentar? Em silêncio eu as varro, como um ritual, como para ter alguma coisa diferente em que pensar. Sei que é inútil, eis que logo mais tudo estará igual, mas tenho a sensação de que fazer isso tem algum propósito.
Confiro os meus vasos e a despeito de tudo as orquídeas estão em flor. São muitas e de cores variadas. Nunca as achei tão belas e, em um paradoxo, jamais me pareceram tão insignificantes. Estranho demais a ausência dos beija-flores e cambacicas que viviam pelo quintal, deleitando-se com o néctar fresco que eu destinava a elas. Há semanas não aparece nenhuma. Não sei se há alguma explicação razoável, mas prefiro nem pesquisar. Ando vivendo em câmera lenta.
No início pensei que a pandemia pudesse agregar as pessoas, permitindo o renascer de sentimentos já esquecidos, como a solidariedade. Embora algumas pessoas de fato tenham se unido em prol das outras, parece-me, no Brasil, que nunca se discutiu tanto sobre política. Podem me classificar de ingênua ou do que quiserem, mas tenho a sensação de que todos somente querem ter a última palavra. O que importa é ser o dono da verdade, mesmo que ela seja uma mentira.
Muitos tem trocado ofensas e brigado tanto que amizades vem sendo perdidas, como se não estivéssemos correndo o risco de perder bem mais do que isso. Tudo parece ser uma disputa, um jogo idiota para ver quem fala mais bonito, quem conquista mais plateia. E enquanto alguns buscam louros públicos, outros se sacrificam, quase literalmente, em silêncio, para que os demais possam se salvar.
Agora, mais do que nunca, talvez por me faltar no passado a real dimensão de tragédias como essa que vivenciamos, todos os profissionais da saúde tem o meu mais profundo respeito. Sem poderem parar, lutam todos os dias pelas vidas que estão sob seus cuidados, eles mesmos expostos e correndo riscos. Eles e os profissionais que nos mantem vivos, alimentados e em segurança que merecem nossa atenção, nossas orações e nossa admiração.
Faltam-me forças para escrever sobre amenidades. Por ora, elas deixaram os meus dias. Sigo observando as pétalas de cor roxa que cobrem meus minutos e não sei se serei capaz de voltar a vê-las com outros olhos, já que me parecem lágrimas. Não escrevo para desanimar ninguém, no entanto. Dias melhores virão, mas espero que eles nos possam redimir de alguma forma. Tem sido difícil não engrossar o cordão dos malucos.
CINTHYA NUNES é jornalista, advogada, professora universitária e anda triste por ora – cinthyanvs@gmail.com
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