Há alguns meses, talvez logo no início da pandemia, passei a colocar frutas e sementes para pássaros, na sacada de casa, dispostos em um comedouro que improvisei, usando uma caixa de madeira dessas usadas nas feiras livres.
A ideia de atrair pássaros para o meu quintal já era antiga, mas somente quando acabei ficando mais tempo dentro de casa, ainda que involuntariamente, é que isso se tornou realidade. Já havia colocado dois daqueles bebedouros de beija-flor em uma pequena árvore que temos em um vaso e foi sucesso imediato, mas uma alimentador para pássaros maiores era um desafio, considerando os meus cinco gatos.
Assim, acabei tendo a ideia de atrair os pássaros para um lugar mais seguro, onde não fossem alvo fácil para os curiosos felinos. Bem defronte a nossa singela sacada fica um pequeno e idoso ipê, do qual cuidamos com verdadeiro carinho, aceitando com gratidão as poucas flores amarelas com as quais ele nos presenteia na primavera e os galhos dele provavelmente permitiriam aos pássaros melhor aproximação.
Já no primeiro dia as maritacas vieram e se refestelaram com os generosos pedaços de banana e mamão maduros. Algumas, mais atrevidas, no intuito de garantir exclusividade, carregavam pedaços nos bicos, levando-os para longe. E nos dias seguintes foram chegando também azulões, rolinhas, bem-te-vis e sabiás. De alguma forma eles se organizaram e foram fazendo rodízio no comedouro até que, no meio da tarde, já não há mais nada.
E assim o tempo foi passando, sempre com as mesmas figuras. Nesses meses vi filhotes de várias espécies sendo alimentados pelos pais e todas as manhãs, se me demoro a colocar as frutas, sempre tem algum a piar, empoleirado nas beiradas da caixa. E a clientela é exigente, porque algumas frutas são sumariamente rejeitadas e para garantir o menu preferido tive que providenciar um esquema com alguns feirantes amigos, os quais me abastecem, a preço simbólico, as frutas que já estão muito maduras para venda.
E tudo transcorria sem maiores alterações até que, em um belo dia, ela surgiu. Branca e marrom, maior do que a maioria, a Edileuza deu o ar da graça. Edileuza é uma pomba e eu soube como se chamava assim que bati os olhos nela. Nunca conheci ninguém com esse nome, à exceção de uma personagem de programa televisivo, mas não sou capaz de dar qualquer justificativa para o “batismo”. É daquelas criaturas que tem cara do que é, ou seja, tem bico e penas de Edileuza, simples assim.
O problema é que Edileuza mudou o equilíbrio do meu refeitório para pássaros. Folgada, fica dentro da caixa, impedindo todas as demais aves de se aproximarem. E não que ela seja brava, mas acho que ter alguém sentado na sua comida seja algo que tire realmente o apetite. Não tenho nada contra pombas e até já escrevi outros textos sobre isso, mas não aceito a postura da Edileuza, pois gosto de atender a um público variado e quero manter a diversidade da clientela.
Costumo admirar as aves por detrás da janela do meu quarto, onde por sinal ficam também os gatos, extasiados e talvez frustrados por estarem diante do inalcançável. Do meu esconderijo vejo Edileuza chegando e se aboletando lá. Deixo que ela coma por alguns minutos e a coloco para correr, ou melhor, para voar. Minutos depois e todo o restante da galera se aproxima. A cada dia, no entanto, a Edileuza fica mais ousada, encarando-me com olhos de reprovação, legitimando seu direito de se alimentar com prioridade e calma. Tempos difíceis para todos.
CINTHYA NUNES - é jornalista, advogada, professora universitária e considera Edileuza uma pomba abusada demais – cinthyanvs@gmail.com (www.escriturices.com.br)
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