Assim que o grito de gol se fez presente na sala improvisada, o cachorrinho se assustou e fez xixi. Depois de tranquilizarmos o pobrezinho, todos passaram a torcer com mais parcimônia. Na verdade, nem houve muito o que fazer nesse sentido, já que o jogo todo teve apenas um único gol.
Dada como sou a viagens mentais pelo tempo, logo me lembrei de outras Copas do Mundo. Minhas primeiras lembranças remetem à adolescência. Vestidos com camisas amarelas, assistíamos aos jogos reunidos com amigos, em rodízio de casas. Pintávamos as unhas também com as cores da bandeira brasileira e, além de assistirmos aos chutes alheios, arriscávamos olhares furtivos para os meninos, com o coração batendo um bolão.
Era uma época mais simples em alguns sentidos e a diversão era garantida com pipoca, amendoim, suco e refrigerante. Os meninos mais velhos, após os jogos, bebiam cerveja, sempre fora do alcance dos olhares dos adultos. Nossa maior torcida era para que o Brasil ganhasse o máximo de jogos possíveis, porque isso também aumentava nossos eventos festivos. Além disso, ninguém gostava de ser chamado de azarado pelo fato do Brasil perder quando a reunião era em sua casa.
Das outras tantas Copas do Mundo pelas quais já passei, tenho lembranças esparsas e alguns nomes de jogadores me veem à mente, tanto da seleção brasileira quanto de times rivais. Zico, Casagrande, Taffarel, Ronaldos, Maradona, Zidane e outros me são familiares. Só que sou uma péssima conhecedora de futebol e sequer sei dizer em que ano jogaram, muito menos sei uma escalação completa. Infelizmente, também me lembro do 7 x 1.
Agora, pensando no assunto, lembro-me ainda de certas músicas, mascotes e propagandas que marcaram algumas Copas. Xinguei os adversários que eliminaram o Brasil, comemorei boa parte dos gols e até me emocionei ao ver, por duas vezes, a Seleção Canarinha sair vitoriosa. É engraçado como nossa memória escolhe guardar e organizar aquilo que vivenciamos. No meu caso, nesse assunto futebol, minhas lembranças são quase sempre afetivas e pouco ou nada esportivas.
Sobre esportes, aliás, sempre preferi praticar a assistir. Não gosto muito de ver outras pessoas jogando. Na adolescência, fazendo parte do time de futebol feminino da escola, eu adorava sentir a adrenalina de disputar a bola, correr pelo campo e, vez ou outra, acertar o chute que a goleira adversária não conseguia pegar. Nunca estive nem perto de me sentir eufórica assim contemplando passivamente outras pessoas em disputa.
Ainda hoje, embora não pratique mais nenhum esporte em equipe ou mesmo de competição, não gosto muito de acompanhar jogos pelas telas. Um pouco antes da pandemia, no entanto, fui até um estádio assistir ao jogo do time pelo qual vagamente torço e posso afirmar que lá, entre tanta gente, senti uma dose doida de emoção e, lamentei um pouco não ter assistido nenhum jogo quando a Copa do Mundo foi sediada pelo Brasil.
Como se pode notar sem muito esforço, não sou lá uma torcedora modelo, mas, a despeito disso, embora não me fujam os muitos contextos que envolvem o atual momento político, institucional, não torço contra o Brasil. Quando a bola está em campo, vibro pelo time verde-amarelo. Torcer contra e desejar que o Brasil perca não vai mudar em nada outras conjunturas. Tampouco nos torna mais patrióticos. Para quem teme cortinas de fumaça, sempre haverá uma cenoura guiando lebres famintas.
Por alguns momentos, ao contrário, uma fagulha de esperança se acende em mim. De volta ao presente, enquanto o xixi do cachorrinho era limpo, notei que, sentados à direita, à esquerda ou ao centro, brancos, pretos, magros ou gordos, homens ou mulheres, todos se pareciam brasileiros e isso é vitória, com toda certeza.
CINTHYA NUNES é jornalista, advogada, professora universitária e já foi lateral. Hoje, é centroavante. – cinthyanvs@gmail.com/www.escriturices.com.br
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