Não que eu seja terminantemente contra, mas me parece que há certo exagero nessa onda de harmonização facial que, nos casos extremos, vem transformando várias mulheres em clones loiros, esticados e com boca de pato. É claro que também não gosto de envelhecer, não fisicamente. Tenho curtido o processo de amadurecimento, pois isso tem me proporcionado mais bônus do que prejuízos, mas se eu pudesse, não hesitaria as minhas células como estavam há vinte anos. Só que não dá, simples assim.
Então, já que o caminho é só de ida, vida que segue. Sou a favor sim de intervenções plásticas, eis que em muitos casos, mais do que estéticas, são terapêuticas. E tudo fazer ajustes cá ou lá. Penso que devemos estar bem como nossos corpos e que a saúde mental se espelha na física e vice-versa. É o excesso que, creio, não é lá muito saudável.
Acredito que o cuidado com o corpo seja medida de bom senso, e que, normalmente, é reflexo de saúde. Então, se pudermos manter corpo e mente joviais, maravilha. Sempre me empolgo quando percebo o quão longa e saudável a vida pode ser e, ainda que conformada com o natural declínio do maldito colágeno, gosto de pensar que seja possível enganar um pouco o relógio.
Mas o limite é um lugar que parece cada vez mais distante para parcela das pessoas. Tudo bem que o importante é ser feliz, mas acredito que há uma dose bem grande de infelicidade nas pessoas que desejam ser jovens a qualquer custo, mesmo praticamente desfigurando os próprios corpos e rostos. Conheço mulheres maduras, passadas dos cinquenta, que com pequenas intervenções, delicadas, mantêm aparência saudável, elegante.
Por outro lado, tenho visto outras tantas pessoas, bem mais novas, já preocupadas com uma velhice que mal lhes bateu na porta. Em desespero, injetam as mais variadas substâncias em suas faces, harmonizando sei lá o quê. O curioso é que ficam todas bem parecidas, invariavelmente loiras platinadas, muitas vezes bronzeadas, com expressões paralisadas, peitos duros e enormes e com lábios visivelmente não naturais. Os homens também, embora ainda em menor número, vão se transformando em namorados da Barbie, em todos os sentidos. No fim das contas, ficam parecendo caricaturas de si mesmos.
Participei, por exemplo, de um evento online nesta semana e uma das outras participantes parecia uma boneca inflável. Quando vi uma foto no documento de identidade dela, notei que era muito mais bonita antes e que alguém deveria lhe dizer para parar antes que ela esteja irreconhecível. A mulher sequer conseguia esboçar reações, pois o rosto, paralisado, não lhe obedecia mais.
Se um dia existir algo que realmente nos restaure o vigor da juventude, é certeza que usarei, se for lícito, não envolver crueldade animal e, não menos importante, seja barato. Meio óbvio que tal elixir não existirá em tempo hábil para o meu caso, mas, por ora, gosto da minha dose de, digamos, desarmonia facial, resultado dos genes dos meus pais, única como cada ser humano pode ser.
Uma coisa que ajuda é que depois dos quarenta a gente passa a enxergar mal de perto. Então, se me olho de longe, no espelho, não vejo as linhas que vão marcando minha história e, se tento olhar de perto, basta fazer isso sem óculos e pronto, naturalmente o meu filtro protetor natural é habilitado. Passei a entender mais alguns mecanismos de proteção da mente humana.
Falando em filtro, outra doideira isso de algumas pessoas só aparecerem nas redes sociais se usarem filtros de imagem que deixam suas peles impecáveis, de um jeito que todo mundo sabe que é mentira. Então sei lá, parece algo meio sem sentido para mim. E cada dia mais um número maior de mulheres e de homens adere a essa prática, como se fosse necessário esconder-se o tempo todo sob uma capa de mentira.
São tempos estranhos. Acho que, no futuro, as pessoas somente se encontrarão no metaverso, em uma realidade virtual, pois somente lá, por enquanto, é possível ser jovem para sempre, sem parecer um manequim infeliz, que congela um sorriso no automático.
CINTHYA NUNES é jornalista, advogada, professora universitária e gosta da desarmonia dos rostos únicos – cinthyanvs@gmail.com/ www.escriturices.com.br
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