PAZ - Blogue luso-brasileiro
Sábado, 31 de Agosto de 2019
CINTHYA NUNES - SETEMBRO AMARELO

 

 

 

 

 

 

 

 

Cinthya Nunes Vieira da Silva.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

            Novamente tenho a impressão de que os dias vem passando à revelia dos meus planos. Nunca dá tempo de fazer tudo o que planejo, mas estou convicta de que não sou nem de longe a única que se queixa disso. Talvez seja próprio da natureza humana, nascemos iludidos pela falsa ideia de que a eternidade nos pertence e quando o tempo avança sobre nossas expectativas, damos conta de temos muito menos dias a nossa frente.

            A morte, assim, é um fato que acontece em um dia qualquer. Não espera pelos nossos pontos finais e mesmo pelas nossas vírgulas. A morte quase sempre é exclamação, espanto.  Quando é calma, esperada, é irmã das reticências. Todos sabemos, inconsciente ou conscientemente, que esse é um encontro do qual não temos para onde fugir. O que mais assombra e entristece é quando a morte se faz procurada, quando é interrogação.

            Em Setembro ocorrem, desde 2015, eventos sobre a conscientização e prevenção ao suicídio. Confesso que não tinha ideia de que ocorrem tantos suicídios no Brasil e no mundo. Dados da OMS de 2015 estimam 800 mil mortes por suicídio ao ano, mundialmente. É muita gente desejando ir embora de si mesmo. Acredita-se que esse número, em verdade, seja muito maior, já que nem todos os  países enviam dados confiáveis. Seja como for, são muitas perdas.

            Não tenho qualquer conhecimento técnico que me habilite a escrever ou a falar sobre o assunto. Só tenho minhas impressões e sentimentos e indagações sobre essa delicada questão. Durante minha vida tive contato com alguns casos mais próximos de suicídio e todos me marcaram profundamente. É que fico me perguntando o que se passa na cabeça de alguém que decide colocar fim à própria vida, sobretudo em certas circunstâncias.

            Excluídas hipóteses de doenças mentais, as quais retiram da pessoa o seu discernimento, eu acredito que o suicídio não seja um ato de coragem, tampouco de covardia, mas sim de absoluto desespero. Talvez seja a única rota de fuga avistada por quem sente uma dor tão imensa, inexplicável e insuportável, física, mental ou espiritual.

            Ainda que várias religiões busquem explicar o que acontece com quem se suicida, creio que esse seja um mistério que nos pertença enquanto viventes. O mais difícil é compreender ou auxiliar quem fica, que resta diante do vazio, de uma ausência sem razão de ser. Resta a raiva, a saudade, a dor, a angústia de não conhecer as razões, além de algum senso (na imensa maioria das vezes indevido) de culpa por não ter feito algo para evitar a tragédia.

            Recentemente, há coisa de alguns meses, eu e outras colegas de trabalho estivemos diante de uma mulher jovem, bonita, talentosa, inteligente e culta, mas que nitidamente estava com algum desequilíbrio emocional. A situação na qual estávamos envolvidas, as quatro, não era agradável, mas a despeito disso percebemos que algo havia de errado com ela. Na oportunidade, uma de nós mencionou que ela talvez pudesse ser o tipo de pessoa que tiraria a própria vida. Três meses depois recebi a triste notícia de que isso realmente se deu.

            Não vou entrar em detalhes para não expor a família ou mesmo a memória da falecida. Só fico aqui lamentando o ocorrido e pensando o quanto devem estar sofrendo aqueles que a amavam. Havia tanto porvir naquela mulher e agora tudo é só suposição e saudade. Não conheço a fundo os fatos por detrás da decisão mais irreversível que ela pôde tomar, mas imagino que, de algum modo, tudo foi demais para ela.

            Às vezes as pessoas ao nosso redor estão passando por dores que não podemos sequer supor ou mensurar. Talvez nem tenhamos o poder de mudar uma decisão dessas, mas o mínimo que devemos fazer é olhar com mais acuro para os que nos rodeiam. Uma palavra, um abraço, uma esperança, um sorriso, nada disso nos custa. Se não pudermos evitar essas partidas náufragas, que ao menos não entreguemos as âncoras.

            Em memória dos que decidiram partir, exultemos a vida e a solidariedade...

 

 

 

 

CINTHYA NUNES   -   é jornalista e advogada   - cinthyanvs@gmail.com

 



publicado por Luso-brasileiro às 11:28
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim
arquivos

Julho 2024

Maio 2024

Março 2024

Fevereiro 2024

Janeiro 2024

Dezembro 2023

Novembro 2023

Outubro 2023

Setembro 2023

Agosto 2023

Julho 2023

Junho 2023

Maio 2023

Abril 2023

Março 2023

Fevereiro 2023

Janeiro 2023

Dezembro 2022

Novembro 2022

Outubro 2022

Setembro 2022

Julho 2022

Junho 2022

Maio 2022

Abril 2022

Março 2022

Fevereiro 2022

Janeiro 2022

Dezembro 2021

Novembro 2021

Outubro 2021

Setembro 2021

Julho 2021

Junho 2021

Maio 2021

Abril 2021

Março 2021

Fevereiro 2021

Janeiro 2021

Dezembro 2020

Novembro 2020

Outubro 2020

Setembro 2020

Agosto 2020

Julho 2020

Junho 2020

Maio 2020

Abril 2020

Março 2020

Fevereiro 2020

Janeiro 2020

Dezembro 2019

Novembro 2019

Outubro 2019

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

favoritos

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINEL...

pesquisar
 
links