Novamente tenho a impressão de que os dias vem passando à revelia dos meus planos. Nunca dá tempo de fazer tudo o que planejo, mas estou convicta de que não sou nem de longe a única que se queixa disso. Talvez seja próprio da natureza humana, nascemos iludidos pela falsa ideia de que a eternidade nos pertence e quando o tempo avança sobre nossas expectativas, damos conta de temos muito menos dias a nossa frente.
A morte, assim, é um fato que acontece em um dia qualquer. Não espera pelos nossos pontos finais e mesmo pelas nossas vírgulas. A morte quase sempre é exclamação, espanto. Quando é calma, esperada, é irmã das reticências. Todos sabemos, inconsciente ou conscientemente, que esse é um encontro do qual não temos para onde fugir. O que mais assombra e entristece é quando a morte se faz procurada, quando é interrogação.
Em Setembro ocorrem, desde 2015, eventos sobre a conscientização e prevenção ao suicídio. Confesso que não tinha ideia de que ocorrem tantos suicídios no Brasil e no mundo. Dados da OMS de 2015 estimam 800 mil mortes por suicídio ao ano, mundialmente. É muita gente desejando ir embora de si mesmo. Acredita-se que esse número, em verdade, seja muito maior, já que nem todos os países enviam dados confiáveis. Seja como for, são muitas perdas.
Não tenho qualquer conhecimento técnico que me habilite a escrever ou a falar sobre o assunto. Só tenho minhas impressões e sentimentos e indagações sobre essa delicada questão. Durante minha vida tive contato com alguns casos mais próximos de suicídio e todos me marcaram profundamente. É que fico me perguntando o que se passa na cabeça de alguém que decide colocar fim à própria vida, sobretudo em certas circunstâncias.
Excluídas hipóteses de doenças mentais, as quais retiram da pessoa o seu discernimento, eu acredito que o suicídio não seja um ato de coragem, tampouco de covardia, mas sim de absoluto desespero. Talvez seja a única rota de fuga avistada por quem sente uma dor tão imensa, inexplicável e insuportável, física, mental ou espiritual.
Ainda que várias religiões busquem explicar o que acontece com quem se suicida, creio que esse seja um mistério que nos pertença enquanto viventes. O mais difícil é compreender ou auxiliar quem fica, que resta diante do vazio, de uma ausência sem razão de ser. Resta a raiva, a saudade, a dor, a angústia de não conhecer as razões, além de algum senso (na imensa maioria das vezes indevido) de culpa por não ter feito algo para evitar a tragédia.
Recentemente, há coisa de alguns meses, eu e outras colegas de trabalho estivemos diante de uma mulher jovem, bonita, talentosa, inteligente e culta, mas que nitidamente estava com algum desequilíbrio emocional. A situação na qual estávamos envolvidas, as quatro, não era agradável, mas a despeito disso percebemos que algo havia de errado com ela. Na oportunidade, uma de nós mencionou que ela talvez pudesse ser o tipo de pessoa que tiraria a própria vida. Três meses depois recebi a triste notícia de que isso realmente se deu.
Não vou entrar em detalhes para não expor a família ou mesmo a memória da falecida. Só fico aqui lamentando o ocorrido e pensando o quanto devem estar sofrendo aqueles que a amavam. Havia tanto porvir naquela mulher e agora tudo é só suposição e saudade. Não conheço a fundo os fatos por detrás da decisão mais irreversível que ela pôde tomar, mas imagino que, de algum modo, tudo foi demais para ela.
Às vezes as pessoas ao nosso redor estão passando por dores que não podemos sequer supor ou mensurar. Talvez nem tenhamos o poder de mudar uma decisão dessas, mas o mínimo que devemos fazer é olhar com mais acuro para os que nos rodeiam. Uma palavra, um abraço, uma esperança, um sorriso, nada disso nos custa. Se não pudermos evitar essas partidas náufragas, que ao menos não entreguemos as âncoras.
Em memória dos que decidiram partir, exultemos a vida e a solidariedade...
CINTHYA NUNES - é jornalista e advogada - cinthyanvs@gmail.com
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