Vira e mexe eu me pego de novo escrevendo sobre o tempo. Creio que tenho uma fixação pelo tema, sobretudo pela forma como o tempo é capaz de transformar praticamente todas as coisas. De uma forma ou de outra, ele tudo soluciona, ainda que seja para deixar claro que algumas coisas não podem ser revistas.
Com toda certeza uma das coisas mais importante que o tempo fez por mim foi diminuir minha ansiedade a níveis administráveis, compatíveis com uma vida equilibrada, eis que nem sempre isso foi possível. Quando eu era uma estudante universitária, por exemplo, passava grande parte do tempo remoendo sobre como seria o futuro, sobre o que eu faria na próxima semana e o que, em suma, seria de mim.
Hoje eu sei que isso tudo era uma imensa perda de tempo, essa moeda sem câmbio. Segundo me parecia à época, se eu não me ocupasse desses pensamentos, as coisas poderiam sair do controle. Como se em algum momento estivessem, de fato, estado... Passei tanto tempo preocupada com o que seria, que em muitos momentos deixei de ser.
Não sei exatamente quando compreendi que quase tudo se dá à revelia dos nossos pensamentos, dos nossos pensamentos mágicos ou trágicos. Não importa o quanto nos ocupemos da tentativa da adivinhação, o futuro é um quadro em branco no qual vamos escrevendo aos poucos com tinta indelével e que não se permite ser preenchido em um único ato ou antecipadamente.
Acredito que a vida nos compense com um pouco de sabedoria, um pouco de maleabilidade emocional para que possamos compensar com o fato de que nossos corpos irem perdendo essa característica. Assim, embora eu ainda sofra com alguns porvires, isso tem ficado reservado a questões de fato importantes, significativas.
Enquanto escrevo isso estou aplicando prova aos meus alunos do curso de Direito e o assunto me veio à mente porque assim que entrei na sala de aula encontrei olhares apavorados, repletos de ansiedade e nervosismo e naturalmente me lembrei da estudante que um dia também fui. Nesse sentido, não tenho saudades de sentir como se uma prova pudesse alterar minha vida de forma permanente.
Tentei conversar minha turminha de que a prova estava justa, tranquila até, eis que tão somente pergunto sobre aquilo que expliquei de forma exaustiva. Sei, no entanto, que isso foi um esforço em vão, já que tão somente a experiência pode nos ensinar determinadas coisas, mas persisto na tentativa de acalmar ânimos de pessoas que desperdiçam energia com questões de menor importância.
É realmente uma pena que não sejamos capazes, na maior parte das vezes, de aprender a viver com o que os mais velhos nos transmitem. Penso que isso otimizaria alguns sentimentos, economizaria dores e decepções, mas talvez seja esse mesmo o propósito da vida humana, essa viagem que cada qual percorre acompanhado fisicamente, mas sozinho nas emoções.
Se eu pudesse dar um único conselho a jovem que um dia fui, diria que acalmasse meu coração, que tivesse calma e não deixasse que a ânsia pelo futuro me subtraísse a alegria do presente, porque no fim das contas, tudo se ajeita, de um jeito ou de outro, por mais que isso pareça improvável. Tudo o que posso fazer, no entanto, é tentar tranquilizar os que passam pelos meus caminhos.
Olho para os rostos que, concentrados, estão aos poucos com as feições mais relaxadas. A prova não se mostrou, no fim das contas, um bicho de sete cabeças. Percebo que seguem escrevendo, deixando para trás a noite mal dormida e o temor pelo inesperado. Conforme vão acabando e me entregando as provas, vou recebendo sorrisos e desejos de um bom fim de semana.
Recolho as provas todas e me despeço deles, um a um, imaginando o que a vida lhes reserva, certa de que, de toda forma, cada qual achará uma forma de prosseguir. Imagino se fazem ideia de que eu lhes desejo, secretamente, mais do que qualquer outra coisa, que tenham paz de espírito, que sejam um dia capazes de entender que nessa nossa passagem pela existência terrena, há muito que sequer merece o fenecer de um único sorriso nosso...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada,professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e escritora. São Paulo.
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