Há alguns anos troquei de hábitos e passei a me locomover pela cidade de São Paulo, sempre que possível, de transporte público, de táxi e a pé. Costumo dizer aos outros que escolhi fazer dessa forma desde que furtaram meu carro há alguns anos, mas isso não é exatamente verdade.
Logo que me mudei para a capital paulista, vinda de cidades pequenas, nas quais eu me locomovia basicamente de carro, constatei que minhas limitações de senso de orientação eram maiores do que eu imaginava. Dirigir pelas ruas de São Paulo em um período de aparelhos de GPS ainda meio rudimentares era algo que me deixava em pânico diante da perspectiva de ficar perdida.
Eu confesso que tentei e até arrisquei ir sozinha a lugares mais próximos, mas nada muito audacioso. Nem sei explicar o quanto o pavor de ficar perdida e não achar o caminho de volta ou de ir parar em meio a uma favela me incapacita. Simplesmente entro em pânico. Desse modo, quando levaram meu carro, busquei alternativas que me eram mais confortáveis.
Quando há metrô por perto eu não hesito, eis que de longe é minha escolha preferida. O metrô é rápido, normalmente limpo e seguro. Além do mais, não há chance do trem mudar o caminho e ir parar em qualquer outro lugar que não seja uma das estações. Já os ônibus não fazem o meu tipo: prefiro andar a pé do que ficar chacoalhando pelas ruas.
Quando é preciso que eu vá para lugares mais distantes, uso um aplicativo no celular e chamo um táxi a preços mais atrativos. Na maior parte das vezes, sigo conversando com o motorista e nesses caminhos acabo conhecendo muitas pessoas, com muitas histórias de vida interessantes.
Descobri que em tempos de crise econômica, inclusive, muitas pessoas que perderam seus empregos fazem suas apostas financeiras dirigindo taxis, desviando dos perigos e mirando no retorno para seus antigos postos de trabalho. Percebo que a esperança é uma das últimas que abandona os motoristas. Quilômetros rodados através de um trânsito caótico e perigoso, mas nada parece capaz de apagar o sonho da recolocação profissional.
Conheci um senhor que veio do Líbano há mais de 30 anos, fugido de uma das guerras civis que assolou o país. Há alguns meses perdeu o emprego em uma grande empresa por conta da política de cortes. Conversamos longamente e logo eu já conhecia toda a história da vida dele, dos filhos e mesmo sobre algumas confidências sussurradas, muito mais como quem fala em voz alta do que se comunica com alguém.
Muitos motoristas são muito jovens, desejosos de um meio de se sustentarem, mas seguem guiando as vidas alheias enquanto outras portas não se abrem. Alguns alternam o tempo com os estudos e outros planejam um estudo futuro, guardado a sete chaves, naquele lugar misterioso onde vivem os sonhos.
Gosto de conversar com as pessoas que me transportam pela selva de pedra urbana. Ouço desabafos de pessoas que provavelmente nunca mais verei e, em alguns momentos, fico eu igualmente tentada a revelar parcela das minhas preocupações. Quase sempre me despeço desejando que as coisas se acertem e que fiquem com Deus, a salvo dos perigos, grata por não estar perdida, literal e figurativamente.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada,professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e escritora. São Paulo
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