Esse segundo semestre de 2018 está sendo meio estranho. Ao menos para mim. Para começar, essas eleições que mais parecem um campo de batalha do que um exercício da democracia. Um monte de gente se ofendendo e sendo ofendido. Mentiras são disparadas como munição de metralhadora. Cada piscada é um tiro. Ninguém parece preocupado em demonstrar seu plano de governo, mas sim o quanto o adversário pode ser abominável. E eu, que nem gosto de política, sequer consigo deixar de pensar ou escrever sobre o tema. Isso porque me prometi que hoje não o faria.
Fora isso, até para mudar de assunto, normalmente os últimos meses do ano trazem consigo uma carga diferente. Talvez seja porque todo mundo fica louco para concluir os projetos inacabados. Aquele mundo de coisas que prometemos fazer e que, sugados pela rotina, acabamos descumprindo. E os piores são aqueles que prometemos para nós mesmos. Porque esses são constantemente lembrados pelas nossas consciências. Diante da inevitabilidade do ano vindouro, já renegociamos nossas promessas no Serasa da vida e juramos, uma vez mais, que tudo será diferente.
Enfim, sinto eu também que deixei faltando muita coisa e sou assolada pela quantidade de coisas que ainda tenho que dar conta até o fim do ano, principalmente de ordem profissional. Por essas e por outras tantas, pego-me andando pelas ruas de São Paulo pensando sobre o que irei escrever nessa semana. Queria a leveza de palavrinhas mais tolas, mais amenas, mas enquanto procuro por elas, olhando ao meu redor, noto cenas que me causam aperto ao coração.
Preocupada com o que escrever, quase tropeço em um menino que, maltrapilho, dorme na calçada, muito provavelmente consumido fisicamente pelas drogas e emocionalmente por sabe-se-lá o quê. Penso que é cruel a forma como praticamente nos acostumamos com imagens como essas. Falamos em direitos das minorias, brigamos por poder, por futebol, defendemos religião, mas não vejo quase nenhum de nós dando voz a quem de fato não a tem. Sinto-me meio hipócrita nesse momento, além de impotente.
Curiosamente, enquanto tento digerir esse misto de sentimentos, ouço o som de bem-te-vis cantando e não posso deixar de me maravilhar, considerando principalmente o fato de que estou em pleno centro de São Paulo, no bairro da Liberdade. Concluo que paradoxo é o que define essa cidade e esses tempos em que vivemos. Inevitável pensar no que será de nós, brasileiros, seja qual for o resultado das eleições. E lá vou eu de volta ao tema do qual venho tentado fugir...
Preparo-me para dar uma aula para estudantes de Direito e assim que inicio o tema do noite, o assunto resvala na política e logo alguém me pergunta em quem vou votar. Por óbvio não me manifesto, até porque não gosto de misturar as coisas e nem acho justo fazê-lo. Saio pela tangente e digo que fora dali, em outro contexto, não me importo de dizê-lo.
Prossigo a aula, um tanto cansada e ainda sem uma ideia específica sobre o que escrever. Cabeça a mil e coração apertado. Tanto a fazer e na profusão de ideias soltas falta-me foco. Às vezes penso mesmo que nem sei como escrevo semanalmente há quase 18 anos. Eu, que tanto falo, vez ou outra fico muda, ensimesmada, encasquetado com ideias que teimam em não me abandonar. Convenço-me, meio fraquejando, que depois das eleições estarei livre para voltar ao que de fato me faz sentido e o que mais temo, por outro lado, é a possibilidade disso não ocorrer...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada,professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e escritora. São Paulo.
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