Curiosamente, na semana passada eu escrevi sobre as pequenas criaturas que costumavam habitar as áreas urbanas, vivendo até dentro das casas, incapazes de causar danos aos humanos, como os sapos e as lagartixas. Infelizmente, por conta da ignorância humana e pela degradação ambiental, essa fauna em miniatura, de tanta importância ecológica, vem se tornando mais rara a cada dia.
Nessa semana, li uma notícia me levou a pensar novamente no tema. Em síntese, uma pessoa comprou um aparelho de ar condicionado e, por conta de uma lagartixa ter acessado a máquina, para além de ser mortalmente ferida, ainda provocou a queima do aparelho. Indignado, baseado no Código de Defesa do Consumidor, o consumidor requereu que a empresa o indenizasse ou substituísse a máquina.
Como quase sempre sói ocorrer, a empresa se isentou de qualquer responsabilidade, argumentando que o consumidor é que deveria cuidar para que lagartixas não entrassem no aparelho, colocando-o a salvo desses e de outros animais. O surpreendente foi a decisão judicial que resultou dessa pendenga, pois o Juizado Especial Civil que analisou o caso, no estado de Santa Catarina, não apenas reconheceu que o consumidor estava certo em seu pedido, devendo a empresa indeniza-lo pelo prejuízo, sendo dever dessa última fazer um equipamento não passível de ser danificado pelo simples contato com uma lagartixa, mas também reconheceu, expressamente, “que as lagartixas tem o direito de andar livremente pelas paredes”...
A decisão, no mínimo curiosa, foi confirmada, por unanimidade, em segunda instância e, se é verdade que não tem o condão, por si só, de atribuir direitos às lagartixas, mostra-se como um indício de que, aos poucos, a mentalidade sobre a proteção aos animais começa a ganhar novos contornos. Por óbvio que o objeto do processo era a questão da responsabilidade da empresa face ao dano sofrido pelo consumidor, mas em um passado não muito distante, um juiz muito improvavelmente incluiria uma passagem dessa em uma sentença, nem que fosse por receio de ser alvo de chacota ou de ser mal interpretado.
O fato é que estamos nos aproximando, dia a dia, de uma encruzilhada no que tange aos animais e a forma como os tratamos. A questão é tormentosa, exigindo não apenas meras alterações legislativas, mas profundas e complexas reflexões e alterações culturais, filosóficas, sociais e constitucionais. Se por um lado é imperativo que reconheçamos direitos aos animais, por outro lado não é possível imaginar que isso bastaria e que não há uma imensa gama de desdobramentos que decorrem dessa possível (e necessária) sujeição de direitos.
Ao redor do mundo, no entanto, cortes e governos tem reconhecido diversos direitos aos animais, mudando a forma como eles são vistos e tratados. Aqui no Brasil, embora a Constituição Federal assegure que os animais não devam ser submetidos a práticas cruéis, ainda há muito a ser feito, pensado e decidido. Enquanto isso, no entanto, embora despida de forma para assegurar a proteção de todas as lagartixas, vamos comemorando as tímidas vitórias, venham elas de onde vierem e protejam os animais que puderem.
De uma coisa, no entanto, eu não tenho qualquer dúvida: há uma lei, muito maior, mais antiga, soberana, não escrita, que garante às lagartixas, o sagrado direito de andar pelas paredes que quiserem, pensem os humanos o que pensarem...
CINTHYA NUNES – jornalista, advogada e professora universitária.
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