Sinceramente, estou chegando à conclusão de que poucos comportamentos humanos e sociais poderão me surpreender no futuro. Até já escrevi recentemente que temo que a humanidade esteja trilhando um caminho inverso, rumo à barbárie.
Fiquei chocada com o resultado de uma pesquisa que concluiu que mais de 80% dos entrevistados entendia ser justificável que uma mulher vestida com roupas curtas, apertadas ou de alguma forma provocantes, fosse atacada e, em último caso, até mesmo estuprada. A culpa, portanto, da ignorância e da bestialidade de alguns machos, eis que não vou chamá-los de homens, é da mulher que o induz a tanto...
Honestamente, fico pensando, crendo que a pesquisa foi séria e representativa, que tipo de pessoas estamos formando, que espécie de homo sapiens somos nós. Resultados como esses provocam vergonha alheia, até porque própria parece que não há. Em que mundo o crime se justifica, dessa forma, pela existência do belo, do sedutor?
Na época da faculdade eu estudei vitimologia e até li um pouco sobre isso depois, mas embora nem de longe eu possa me sentir uma especialista no assunto, pondero que as coisas não podem ser levadas aos extremos. É possível afirmar que uma moça que entra em um trem lotado, repleto de homens, vestida de micro saia, por exemplo, é capaz de prever um assédio ou mesmo que está ciente de que provocará olhares, porém isso em nada legitima atos de violência, física ou moral.
A partirmos para esse tipo de raciocínio, vamos nos tornando culpados pela maldade alheia. Se alguém me assalta, a culpa é minha por ter um carro, por ter uma casa? O fato de ter trabalhado para isso fica em que plano? E a obrigação do Estado de me proteger, sobretudo diante da confiscatória carga de impostos?
Há no Direito casos nos quais a vítima contribui para o ato do criminoso, mas nem isso, ao menos no Direito Brasileiro, legitima a ação que é contrária à lei. Assim, é, ao meu sentir, perigoso e vergonhoso o fato de sabermos que há quem acredite, em pleno ano de 2014, que as mulheres podem ser agredidas legitima e justificadamente, pelo simples fato de serem bonitas ou sensuais!
A par disso, é bom que se diga que em muitos casos “essas mulheres” são apenas meninas, muitas das quais sequer tem consciência de uma sensualidade que vai aflorando e que não podem sucumbir diante de tarados, de gente da pior espécie.
Concito, portanto, maridos, namorados, pais, filhos, irmãos, os homens de bem e de bom senso, que saiam em defesa de suas mulheres, pelo direito que elas tem de serem belas, de serem livres, de serem respeitadas e protegidas, assim como qualquer outra pessoa...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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