Não vivo sem livros. Ponto final. Não há vírgulas que alterem o sentido dessa afirmação. Não sei viajar sem levar um livro comigo. Não durmo sem ler umas dez páginas ao menos. Os livros me acompanham no banheiro. Os livros invadem meus pensamentos, norteiam minhas palavras. Reabastecem minha alma. Presenteiam-me com novas palavras, com novas ideias. Os livros até invadem meus sonhos, sobretudo aqueles que tenho quando estou acordada.
Enquanto estou vivenciando uma história contida em um livro, habito realidades diferentes. Vivo a minha, real, e a de outros tantos personagens, enxergando-os por fora e por dentro. Viajo para terras distantes, para lugares que provavelmente nunca verei, mas de uma forma tão intensa que quase me confundo, perdida entre os meus pensamentos e os alheios.
Da mesma forma que gosto de ler, gosto de escrever. Aqui, contudo, a perspectiva é outra. Diante da folha em branco, todo o Universo se faz possível. Posso até ser Deus. Senhora da vida e da morte das pessoas que inventar. Sou capaz de, em uma frase, criar e colocar fim ao mundo. Essa possibilidade, entretanto, é assustadora. Se ao ler eu ganho sentimentos, ao escrever eu preciso me despir de alguns, desprender-me de outros, identificar os que sequer sabia possuir e até apropriar-me de alheios. Se ler é uma vinda, escrever é uma ida...
A escrita, por outro lado, desafia-me. A escolha de cada palavra, a estética delas, a delicadeza ou rudeza que ganham ao se juntarem a outras, os sentidos que podem expressar, tudo isso me preocupa muito mais do que a gramática, do que os erros que posso cometer de concordância. Tenho medo é de pontos mal colocados, criadores de discussões sem sentido. Apavoram-me as exclamações desnecessárias! Interrogações sempre me inquietam e as reticências me encantam...
Li certa feita que a gente lê porque gosta, mas escreve porque é preciso, para dar sentido à vida. Concordo. Minhas primeiras incursões pelas letras, aqueles que saíram de mim para o outro, deram-se por conta de inquietações, da vontade de registrar sentimentos aos quais eu não sabia dar vazão de outra forma. Mesmo hoje, escrevo sobretudo quando algo me inquieta, faz-me sofrer ou encanta meus dias. Eu escrevo para que minha vida faça sentido. Descobri que não escrevo para o outro, mas sim para mim. Ainda que seja uma espécie de doação do que me pertence, é muito mais para desafogar a minha própria alma. Daí admira-me quando, nesse desejo, toco almas alheias.
Li também que os escritores vivem muitas vidas. Acredito que os leitores as vivam, entretanto. Os escritores se consomem ao escrever. Para mim, escrever nunca foi um ato fácil. Sinto-me como alguém que, após participar de uma maratona, sente o cansaço e a endorfina do prazer pelos quilômetros corridos. Eu apenas corro por linhas, mas tenho a mesma exaustão. E o mesmo prazer...
Engraçado que, enquanto aspirante a atleta, sempre tive explosão, mas nunca consegui correr longas distâncias. Como escritora, mais escrevo crônicas do que me aventuro pelo romance. Talvez eu tema, no fundo, que as páginas possam me roubar as forças, que possam me deixar sem palavras. Tenho, contudo, sentido vontade de puxar forte o fôlego e lançar-me, para minha completa perdição...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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