Volto hoje a escrever sobre meus tipos inesquecíveis. O Natal se aproxima e é comum que nosso coração se coloque em outro compasso. Ainda que seja desejado que tenhamos especiais sentimentos o ano todo, é comum que, em algumas datas, certos sentimentos aflorem e encontrem um terreno mais propício para nos levarem a reflexões.
Assim, nesses dias, diante de tantas mensagens de Boas Festas, de pessoas queridas que passam para nos deixar um abraço, uma palavra de esperança para o ano que se iniciará, eu fico mais sensível naturalmente e é quase inevitável pensar na fragilidade da vida, de toda ela, daqueles que ocupam esse pedaço de terra e água no Universo.
Daí começo a lembrar de tanta gente que o coração guarda em algum canto escondido da mente, só para que seja possível viver em meio a tantas ausências que vamos acumulando. Quando requisitado, o coração aciona o cérebro e recebemos uma leva de lembranças, repletas de cheiros, de cores, de risadas ou lágrimas, mas sempre envoltas na saudade.
Eu vivo escrevendo que não sou saudosista, mas já não estou tão convencida disso. Sou saudosista no sentido de ter saudade de tudo aquilo que o tempo levou e não deixou rastros, mas isso não significa que eu gostaria de morar no passado e, nesse sentido, não sou saudosista. Cada tempo tem seu bem ou mal querer, sua dor e sua alegria. Só penso que, como já escreveram por aí, o Céu deveria ter dia de visitas... E que cada um pudesse ter acesso ao seu próprio Céu, aquela espécie de baú do tesouro no qual guardamos tudo o que já nos foi caro...
Quando comecei a escrever esses textos sobre meus tipos inesquecíveis eu me propus a não escrever sobre familiares, pelo risco de ser injusta, de pecar por alguma omissão. Contudo, talvez embalada pelo espírito dos natais passados, eu peço vênia para homenagear meus avós.
Sem que Maria Antônia e Wilson tivessem se encontrado, eu não teria a imensa dádiva de ser filha de Elizabeth, mulher de coração infinito e riso fácil. Sem que José e Sebastiana se unissem, eu não seria filha de Luiz, meu maior exemplo de integridade. Eu poderia ser qualquer pessoa, mas não seria quem sou...
Assim, na proximidade de mais um Natal eu sinto saudades de comer os pães do meu Vô Zé, de ficar na padaria vendo os pães tomarem forma e sabor, perfumando o local tão simples em que viviam. Enquanto isso, o cheiro do café coado no coador de pano ia tomando conta de nossas narinas, como faz agora, apoderando-se do meu coração.
Fecho os olhos e estou na fazenda. Meu avô Wilson me entrega o seu chapéu para que eu possa sair, eufórica, para colher ovos, pequenas joias brancas e azuis. Na cozinha, o cheiro de frango assado, com folhas de louro já faz minha barriga de criança roncar e vejo Dona Tita, como chamávamos minha avó Maria Antônia, andar apressada, de lá para cá, sempre em meio aos seus quitutes.
Fecho meus olhos agora e estou entre os quatro. Sou parte dos quatro e de cada um deles tenho uma parte comigo, no DNA, no coração, na alma e nas palavras que agora faço deslizar para o papel. Meus avós, meus tipos inesquecíveis, para sempre...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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