Acredito que algumas das características que me remeteram à escrita de crônicas seja a curiosidade e o gosto pela observação. Embora eu seja uma pessoa falante (talvez até um pouco demais, às vezes), em geral, quando chego em um lugar no qual nunca estive ou estou cercada de pessoas que não conheço, gosto de dedicar um bom tempo a observar, quieta no meu canto. Aprendi, com o tempo, que é melhor, sobretudo, antes de falar ou fazer algo, conhecer o entorno, já que isso pode evitar vários dissabores.
Assim, quando ando por aí, seja de carro, no banco do carona, seja de metrô ou mesmo a pé, gosto de olhar a paisagem, o comportamento da natureza e das pessoas. Morar em uma cidade como São Paulo, inclusive, é algo bem peculiar nesse sentido, eis que por aqui de tudo se vê um pouco e para uma curiosa nata como eu, essa condição é um deleite. Não raras vezes eu penso em tirar uma foto que possa registrar o que meus olhos notam e minha mente grava, mas nem sempre isso é possível. Além do fato de que eu não domino a arte de fotografar exatamente como vejo, de escolher os ângulos e os destaques corretos, nem sempre dá tempo de sacar o celular para um simples registro, quer pela efemeridade do fato, quer pela rápida passagem que se faça por determinado lugar.
Se não me é possível, desse modo, compartilhar pela experiência visual algumas cenas urbanas que me captam a atenção, faço uso do que me é mais familiar, buscando as palavras mais adequadas, os pontos e as vírgulas que coloco em meus pensamentos. Escrever permite, por outro lado, que cada qual que possa vir a ler, imagine a cena como melhor lhe aprouver, com os recursos de seu próprio imaginário, com as cores da paleta que preferir.
Essa semana, por acaso, foi marcada por algumas cenas que passo a descrever, por considerar serem dignas de tanto, pela peculiaridade que contem. A primeira foi quando eu voltava do trabalho, em uma segunda à noite, perto das vinte e três horas. Enquanto o carro estava parado no semáforo, eu notei algo que até então não havia visto. No cruzamento de uma avenida, no centro da cidade, há uma árvore imensa, salvo engano uma falsa seringueira. Com raízes externas e entrecruzadas, sua base parece saída de um filme de fantasia. Isso eu já havia notado, inclusive. O que até então me passara despercebido é a quantidade de ratos, gigantescos, que, correndo de uma raiz a outra, pareciam submergir e emergir delas, revirando o lixo que, infelizmente, é jogado diariamente aos pés da árvore.
Sei que a cena acima não é exatamente bela, mas é significativa. Ali estão duas expressões da natureza, uma delas lutando para ter um espaço para espalhar suas raízes em meio a uma mínima ilha rodeada de asfalto, dando em troca sombra e abrigo a moradores de rua e, outra, representada pelos roedores que tomam conta da cidade na qual o lixo pelas vias parece ter alcançado seu lugar de (des)honra. No fim, é tudo mesmo uma luta pela sobrevivência e fica para mim a certeza de que nós, seres humanos, não estamos desempenhando nosso papel com louvor.
Outra cena que igualmente chamou minha atenção nos últimos dias foi a de um prédio em construção, abandonado. Há muitos assim pela cidade, à propósito, por motivos diversos e eu nem faço ideia das razões pelas quais aquele em especial estava no estado em que estava, mas o que de fato é incrível é o fato de que, sobre a laje de parte dele, como um andar não terminado, havia uma árvore. Não um arbusto, mas uma árvore alta e frondosa. Isolada lá em cima, provavelmente há muitos anos já, deve ter nascido de alguma semente levada por pássaros. As raízes, na ausência de terra, devem estar fixadas entre as camadas de areia e outros materiais de construção. Ela nitidamente se apoderou daquele lugar, como uma soberana solitária, mas coroada pela grandeza de lá estar, à revelia da cidade e dos homens.
A natureza nos mostra, diuturnamente, que ainda temos inúmeras lições a aprender. Crianças do mundo, mal-educadas e egocêntricas, seguimos ignorando seus apelos, certos de que nada haverá a ser pago. Basta, no entanto, parar alguns minutos e olhar em volta de nós, quer consigamos entender, fotografar ou escrever sobre isso...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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