Quando meu cachorro, no início desse ano, por uma fatalidade, acabou matando minhas calopsitas, fui acometida de um sentimento de profunda tristeza e jurei que não teria outra calopsita novamente. Não depois de perder meu Kiko, que, muito manso, ficava assoviando para mim e que acordava a casa, logo cedinho ao som de “quem tem medo do lobo mau”. Foram meses dedicados a ensina-lo e uma alegria toda vez que percebia que ele já tinha aprendido a melodia.
Preciso admitir que, quando eles morreram, a cena da forma como os encontrei ficou por muito tempo gravada em minha mente e, sem avisar, as lágrimas vinham-me aos olhos inadvertidamente. Fiz um texto em homenagem aos meus pequenos Kiko e Sol e demorei um bom tempo para perdoar meu cãozinho, ainda que eu saiba que ele apenas seguiu o instinto que o comanda. Foi-me impossível desfazer dos corpinhos de minhas aves e os enterrei em um vaso do meu quintal, rezando para que o Criador, pai de toda vida, desse a eles asas eternas, em Sua morada.
Soube, algum tempo depois que meu texto circulou pelos jornais, que algumas pessoas queriam me presentear com outra calopsita, no desejo de apaziguar meu coração. Eu queria que, de alguma forma, essas pessoas soubessem que esse desejo fez diferença e que inundou meu coração de afeto. Ao menos a vida do Kiko e da Sol não teve uma passagem imperceptível por esse mundo. Eles marcaram não apenas a minha vida, mas a de todos aqueles que, ainda que por alguns minutos, leram o que escrevi.
O fato é que depois de um tempo eu já havia me conformado, até que minha irmã caçula, que viria passar uns dias em São Paulo me liga e me diz que, embora fosse surpresa, ela agora estava apreensiva, por receio de que eu pudesse não gostar, mas ela estava me levando uma calopsita de presente. Na hora fiquei meio sem reação, mas é claro que eu a receberia. E foi assim que uma ave mansa, inteiramente branca, chegou até minha casa. Era uma fêmea, batizada pelo meu sobrinho Otávio, de 4 anos, de Pompom!
Como eu não tenho coragem de deixar ninguém sozinho, tratei de arrumar um companheiro e, poucos dias depois, um filhote chamado Elvis era o mais novo habitante de casa. Fiz questão de escolher um que não fosse parecido com o Kiko e, dessa forma, escolhi um inteiramente cinza escuro.
Quando percebi que ele queria ensaiar alguns assovios, tratei de escolher uma música para ensinar a ele. Escolhi o tema dos sete anões e tratei de passar todo tempo possível no qual estivesse em casa, assoviando “eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou...”. Agora, pensando, não sei a razão da escolha, mas só sei que foi o que me veio à mente. Agora, passado algum tempo, vejo que ele já assobia os primeiros acordes da música, todo cheio de si.
O que de fato é curioso é que o Elvis perdeu a cor escura e acabou ficando muito parecido com o Kiko, tanto que, quando minhas sobrinhas chegaram em casa, numa visita recente, a Sofia, de 4 anos, deu um gritinho de alegria e falou para a irmã: _ Isa, olha, o Kiko viveu!
Não consegui evitar que uma lágrima fugitiva escorresse pelos cantos de meus olhos e pensei, com o coração cheio de saudades, que, de alguma forma, isso de fato fosse verdade...
“Eu vou, eu vou, para casa agora eu vou...”
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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