Na semana que passou acompanhei um grupo de voluntários, integrantes da OAB São Paulo, na visita a um hospital na cidade de São Paulo, para entrega de presentes de Natal. Nosso destino era a ala infanto-juvenil. Devo dizer que estava um tanto temerosa de não ser forte o suficiente para levar aquela tarefa a cabo, pois não sabia qual a gama de sentimentos que me invadiria a visão de crianças e adolescentes enfermos, muitos deles em estado grave.
Assim que chegamos ao local, cujo nome prefiro preservar, fomos muito bem recebidos e notei que o hospital era muito limpo e organizado, além de estar todo enfeitado para o Natal. A atmosfera do lugar, assim, restava abrandada pela presença do espírito de Natal, com mensagens de esperança estampadas em vários locais, disputando espaço com anjos, “Noéis” e estrelas.
Cada um dos voluntários deveria entrar nos quartos e proceder a entrega de um brinquedo. Apoderei-me de alguns e iniciei o que havia me proposto a fazer. Devo dizer que o sorriso das crianças diante do vislumbre do embrulho colorido já me desarmou de primeira. Impossível não sorrir junto, não inundar os olhos d´água e o coração de orações. Acompanhados sempre de um dos pais, quase sempre das mães, meninos e meninas das mais variadas idades e patologias ocupavam as enfermarias no desejo e na esperança de se recuperarem. No semblante dos pais, um misto de cansaço, medo, fé e dor por não poderem trocar de lugar com seus pequenos, por não poderem curá-los com um beijo.
Não sou médica, mas era possível identificar crianças com doenças crônicas, com patologias muito severas, algumas delas até aparentemente ausentes, com olhares fixos no nada, como quem não quer voltar ou como quem talvez nunca tenha vindo de verdade a esse mundo, talvez pairando em lugar melhor pelo meio do caminho. Conversei o quanto me foi possível com cada um para quem entreguei um brinquedo e, quando a criança não podia ou não sabia falar, conversei com quem os acompanhava e fiquei me perguntando o custo emocional de se estar naquela condição, concluindo que, de uma forma ou de outra, eu estava diante de lutadores.
Não consigo me lembrar de quantos presentes entreguei, mas carrego hoje comigo as imagens de cada um deles, indeléveis dentro de mim. Eu não seria capaz de me esquecer, nem que assim o desejasse. Voltei meus pensamentos ao Divino, rogando que todos ali se curassem prontamente, mesmo sabendo que não assim tão simples e nem exatamente provável, mas é que não me parece justo tamanho sofrimento imposto a quem mal começou a viver. Saí daquele lugar me sentindo minúscula, insignificante mesmo, para além de impotente diante da dor do outro.
Já fora do hospital, na rua, vi crianças correndo em uma pracinha próxima, cheias de saúde, vida e esbanjando anos no porvir. Pensei que aquela deveria ser a normalidade das coisas, o destino reservado aos pequeninos. Sei que nada me dado saber dos mistérios desse mundo, mas se eu pudesse falar com Deus, pediria que nunca permitisse que crianças adoecessem assim, porque, nesse mundo, elas e os animais são o mais próximo que podemos chegar dos anjos.
Difícil passar por experiências como essa e permanecer a mesma pessoa. Impossível não ser tocada pela mão de Deus que, misteriosa e aparentemente contraditório, segurava as mãos de todos, pais e filhos, naquele lugar. Para mim, mais uma e talvez a melhor lição desse louco e pesado ano de 2016.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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