Sempre gostei de canções de Natal, sobretudo daquelas que escutava quando era criança e que me trazem de volta recordações de momentos especiais, felizes, do tempo em que a inocência era o tempero dos meus sentimentos. Acredito que assim como deve igualmente acontecer com tantas outras pessoas, as lembranças de uma boa infância deixam marcas indeléveis e, mesmo depois de décadas, fui capaz de me recordar completamente de várias dessas músicas.
Enquanto participava de uma sessão de entrega de brinquedos para crianças de uma instituição, fui cercada por várias criancinhas, de idades entre 3 a 6 anos. Junto conosco fora também um Papai Noel especialmente convocado para essa nobre tarefa. Na presença do bom velhinho as crianças começaram a cantar em coro uma das músicas que eu, há muito tempo, também entoava com a certeza da verdade daqueles versos.
O que especialmente tocou meu coração foi ouvi-los cantar, com os olhares firmes e confiantes a passagem que diz que “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem”. Se de um lado era triste saber que a canção poderia ser indiretamente a causadora de decepções, já que, na ausência da figura real de um doce senhor entregador de brinquedos e na situação de muita pobreza vivenciada por aquelas crianças e suas famílias, seria provável que nada ganhassem, de outro, era curioso pensar que, de alguma forma, o Papai Noel, naquele dia quente de verão, acabou comparecendo, mesmo sem as renas e sem trenó.
Embora a situação toda em si levasse a reflexões de ordem social, sendo um tanto difícil não pensar em como é cruel a exposição ao consumismo e o quanto do básico muita gente no mundo não possui, fiquei pensando que, de uma forma ou de outra, além do Natal despertar em muitos o sentimento de caridade, também favorece a esperança. Adultos, sabemos que o Papai Noel manda a fatura do cartão de crédito, isso quando ele se lembra de passar pela nossa casa, mas, de uma forma inconsciente, nunca paramos de deixar o nosso “sapatinho na janela do quintal”, lançando ao mar os nossos sonhos e desejos secretos, nossa esperança de bons dias vindouros.
Talvez esse seja o Espírito de Natal. Quiçá o retorno involuntário que fazemos à infância, ao viver das ilusões doces e, esquecidos, ainda que por segundos, do fato de sermos adultos e racionais, deixemo-nos levar pela esperança de que, em algum lugar por aí, o bom velhinho nos espreita, porque “não se esquece de ninguém” e haverá de saber qual sapatinho nos pertence entre todas as janelas desse mundo doido.
Deixo eu, aqui também, meu sapatinho, nessa janela de papel, cuja cortina invisível não me permite ver ou conhecer quem lê o que escrevo, mas que, se o faz com certa constância, já me conhece em demasia. Largo aqui a minha esperança de que não me faltem palavras, não me falte inspiração, mas que, sobretudo, não me abandone o desejo de, vestida de tons “noéis”, fazer mais do que aquilo que somente a mim aproveita. Feliz Natal! Que a vida não nos deixe descalços por aí...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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