Por alguma razão que meus parcos conhecimentos não me permitem saber, nós, seres humanos, somos dominados pelos ciclos, dividindo nossa existência em etapas. É claro que a própria natureza nos impõe determinados ciclos, como os da lua, as regras femininas, o nosso crescer, amadurecer e o morrer. Assim como todas as criaturas viventes, estamos sujeitos a fases, muitas das quais não nos é dado, por mais que tentemos, fugir.
Mas a despeito das fases não passíveis de domínio, nós ainda temos o hábito de nos submetermos a várias outras, impondo-nos resultados e escolhas de acordo com o andamento desses marcos. Assim, por exemplo, até determinada idade precisamos saber o que queremos da vida e de nós mesmo. Fazemos uma fábrica de malucos, desesperados pela ausência de respostas, sendo que, a bem da verdade, a imensa maioria de nós jamais tem resposta satisfatória ou definitiva para esses questionamentos existenciais.
É fato, por outro lado, que sendo seres mortais, nosso tempo terreno é limitado e, se quisermos viver em sociedade somos obrigados a aderir a determinados padrões, mas a cada dia que passa eu concluo que ao invés de termos ganhos com isso, acabamos desperdiçando tempo, essa moeda tão sem troca ou troco que valha a pena.
Desde que comecei a dar aulas em faculdades e lá já se vão mais de dezoito anos, vivo cercada de jovens que dão seus primeiros passos na direção de seus futuros profissionais e o que tenho visto nesses anos todos tem feito com que eu me convença que o tempo não é igual para todos, tampouco pode ser medido ou cobrado da mesma forma. Há aqueles que chegam à universidade amadurecidos, mas os que são pouco mais do que crianças confusas, tenham a idade que tiverem.
A imposição ou convenção social segundo a qual se é obrigado a tomar decisões ainda não amadurecidas, além de produzir profissionais não vocacionados, ainda produz legiões de infelizes, o que é ainda mais triste. Assim, segundo me parece, muitas vezes falta coragem de simplesmente encerrar um ciclo, permitir-se dar um ponto final ao que não deu certo ou que já parou de dar certo. Tristeza por tristeza, deixamos para a vida aquelas que não podemos evitar, os ciclos que se fecham ao arrepio de nossa vontade, como a perda de entes queridos, por exemplo.
Estamos nos aproximando do término de mais um ano e eu, também moldada por alguns ciclos da existência, começo a fazer uma análise do ano que passou. Vejo que vou fechando alguns ciclos que iniciei, mas dos quais tenho me policiado para não ser escrava, doa a quem doer. Creio que não seja apenas eu a pensar assim, mas sei que no discurso tudo é mais simples do que a prática, eis que requer coragem. Nem me refiro aqui a grandes decisões, mas de toda e qualquer coisa que nos atrapalhe a alegria e a leveza do existir, essa nossa tão frágil condição.
Acredito que alguns ciclos nos ajudam a organizar o viver, a termos noção de começo, meio e fim. Outros, no entanto, são convenções que nos amarram, apropriam-se indevidamente do que nos é ou deveria ser mais caro. Que nesse fim de ano, saibamos reconhecer os ciclos que precisamos encerrar, aqueles que valem a pena iniciarmos e aqueles que devemos ignorar. Que tenhamos sabedoria para aproveitamos a vida, esteja ela na fase que estiver, até porque todo fim, de algum modo, é recomeço...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada na Silva Nunes Advogados Associados, professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e cronista. São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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