Não estudei o assunto, então tudo o que eu escrever aqui será apenas baseado em minhas observações e em mais nada. Há alguns anos venho reparando nos hábitos do Sabiá Laranjeira, sobretudo porque desde que me mudei para São Paulo, há sete anos. Por essas bandas o Laranjeira reina soberano e, no fim do inverno, quando começa se anunciar a Primavera, a sinfonia de seu canto apaixonado se faz ouvir por toda parte.
Sei que há pessoas que se irritam com a cantoria dessa ave, mas eu acho um privilégio morar em uma das maiores metrópoles do mundo e o barulho que se faz ouvir grande parte do dia ser o canto de um pássaro. É certo que tudo começa ainda de madrugada, bem antes do sol nascer, mas longe de ser um incômodo, é uma benção.
Penso que as pessoas já estão tão acostumadas aos barulhos de buzinas, de televisão, de gritaria, que não tem mais referências dos sons da natureza. Como morei durante toda minha infância no interior do estado, sendo parte dela em uma chácara, sempre escutei, além das aves canoras, o cacarejar das galinhas, a alegria do galo ao saudar o amanhecer, os grilos, as cigarras e as escandalosas algazarras das maritacas e tuins (espécie de periquitos).
Assim, nunca imaginei que, ao morar em São Paulo, pudesse ter pássaros circulando por todos os lados, livres como deviam, adaptados a um mundo que alteramos para além do razoável. Fico imaginando, assim, onde os sabiás fazem seus ninhos, pois é certo que não cantam à toa, senão para seduzir as fêmeas e começar uma nova família. E a julgar pelos cantos que se intensificam a cada ano, suponho que a empreitada tem sido bem-sucedida.
O Sabiá Laranjeira já é meu visitante contumaz. Várias vezes invadiu minha área de serviço para surrupiar ração de meus cachorros, bem como já acabou com minhas tentativas de uma horta, comendo todos os brotinhos tenros e recém-nascidos. Ocupa, atualmente, duas árvores estrategicamente posicionadas. Uma delas é meu ipê amarelo, que fica na frente de casa e outra é uma quaresmeira imensa, que verte seus galhos para meu quintal, embora plantada no quintal de uma casa vizinha.
De camarote, entoa sua romântica canção, cuja letra nos é indecifrável, mas que nem por isso deixa de nos transmitir coisas boas. Continuará cantando, pelo que sei, pelo tempo que for necessário para ensinar seus filhotes. Fará a distância segura do ninho, ao que me consta, para proteger a família de eventuais predadores. Quando sua missão anual estiver completa, ficará silencioso, até que nova primavera se avizinhe.
Resistindo à poluição, vivendo de comer o que a cidade grande lhe proporciona, o Sabiá Laranjeira é um exemplo de como podem conviver, natureza e modernidade, em harmonia. Em pleno centro de São Paulo, onde trabalho, perto da praça da Sé, tenho a alegria de ouvir o Sabiá cantar no final das tardes, em um espetáculo que não tem preço. Choca-me, entretanto, ouvir as pessoas reclamarem, em verdadeira mostra de que fomos nós, seres humanos, que desaprendemos a viver com o belo.
Com certeza, o poeta Gonçalves Dias, na “Canção do Exílio”, ao sentir falta do canto das aves que aqui gorjeiam, jamais poderia imaginar o quanto a ave incomodaria almas pequenas, despidas de asas. Amo essa terra, mesmo com todos os seus defeitos, pois aqui eu tenho ipês e quaresmeiras, onde canta o Sabiá. Permita Deus que ele sempre volte e que a ignorância não o queira exilar...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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