Acho o frio detentor de certo glamour, mas por mais bonitas que as pessoas possam ficar, por mais gostosas que sejam as comidas e as cobertas, eu sempre tive certa dificuldade para ficar à vontade com temperaturas muito baixas. Definitivamente, não sou uma pessoa adaptada para o frio.
Gosto de temperaturas amenas, entretanto e não foram poucas as odes que fiz ao outono e à primavera. Gosto de céus azuis, de brisas que demandam um agasalho leve, de noites que reclamam um cobertor gostoso e abraços mais apertados. Contudo, quando as primaveras são veranicos eu sofro, porque calor em excesso também me tortura, mas nada se compara a como fico quando o outono tem arremedos de inverno.
Em partes isso pode ser porque no Brasil não temos estrutura para o frio, ao menos na maior parte das casas e dos estabelecimentos. O aquecimento interno de que de dispomos ainda não é o suficiente para termos, nos ambientes fechados, a possibilidade de ficarmos vestidos de forma mais tranquila enquanto do lado de fora o frio castiga a pele e o vento açoita o rosto. Por óbvio que residências de alto padrão provavelmente usufruam desse conforto, mas não é a realidade da quase totalidade das pessoas.
Atualmente, é certo, as pessoas podem dispor de pequenos aquecedores, aparelhos de baixo custo e que permitem deixar aquecidos ambientes menores, como quartos, por exemplo. Para mim, confesso, tal eletrodoméstico é indispensável em todo período de frio, mas, olhando para minha infância, lembro-me de várias situações que não me trazem as melhores emoções sobre o frio.
Não acredito que um dia eu me torne uma pessoa com menos sensibilidade ao frio, mas parece-me que, ou quando eu era pequena fazia mais frio ou as minhas roupas eram ainda menos adequadas às baixas temperaturas do que são hoje. Recordo-me de dormir soterrada sob tantas cobertas, de forrar a cama com cobertor, de colocar duas meias e, mesmo assim, tremer um pouco até que de fato eu me sentisse quente. Embora naquela época eu fosse uma menina bem magrinha, era provável que, se eu caísse no chão, em uma descida, rolasse facilmente, pois a forma cilíndrica que eu exibia nos dias mais frios era o resultado de colocar várias meias, duas calças e todas as blusas que pudessem ser sobrepostas...
Outro fato de que me recordo e que várias pessoas que lerem esse texto possivelmente também se lembrem é de que usualmente se providenciava um aquecimento para o banho, de uma forma muito segura, rs. Uma lata vazia cheia de álcool era disposta em algum canto do banheiro e o fogo era ateado lá para que fosse possível a higiene diária. Fico pensando em quantos acidentes esse hábito não deva ter causado, sobretudo porque eu mesma, certa feita, chutei essa lata sem querer e em poucos minutos o tapete do banheiro estava em chamas...
Os tempos hoje são outros e, à parte de certo exagero, continuo não sendo fã dos dias muito frios. Acho que as pessoas ficam mais elegantes, bem vestidas, mais cheirosas, mas eu tenho sempre a impressão de que estou prestes a congelar e fica difícil ser elegante enquanto se treme e se encolhe, bem como enquanto se parece mais uma cebola, envolta em cascas quase infinitas de roupa...
Conheço pessoas que o frio parece leva-las à Europa, tão lindas ficam vestidas para os dias gelados. Admiro, mas não faço parte do clã. Nem meu cabelo parece gostar, pois fica tão arredio quanto eu. Definitivamente, eu gostaria de hibernar no frio e despertar com o cantar os pássaros, pronta para a primavera. Enquanto isso, aqui em casa, a conta de luz vai ficando tão quente quanto o pobre aquecedor que, nesse momento, permite que meus dedos escrevam, sem trincar, esse texto de pequena insurreição contra temperaturas de um dígito...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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