Uma das características que mais aprecio em São Paulo é a diversidade. Diversidade de serviços, de lugares, de pessoas, de culturas. Amo essa multiplicidade que permite infinitas possibilidades de cultura, lazer, trabalho, amizades, diversão e comportamentos. Em todo bairro de São Paulo existe um mundo em menor escala. Para uma curiosa observadora contumaz como eu, é um verdadeiro laboratório.
Da mesma forma, circular pelas linhas do Metrô dessa que é uma das maiores cidades do mundo, é igualmente, sob o ponto de vista comportamental, uma fonte quase inesgotável. Por óbvio que, eventualmente, circular em dias de muito movimento, com gente saindo pelo ladrão, torna as coisas um pouco mais difíceis, eis que até o humor sofre variações. Como de ordinário eu não faço uso desse meio de transporte em horário de pico, consigo ficar em posição de observação e, invariavelmente, acabo me surpreendendo e me divertindo.
Uma das situações que mais chama minha atenção é o uso dos assentos preferenciais. Reservados a idosos, gestantes e pessoas com crianças de colo, referidos lugares são de uso livre quando não houver, no vagão, pessoas nessas condições, o que, na prática, é quase nunca. Por hábito, mesmo não havendo nenhum “candidato” à ocupação desses lugares, eu os utilizo. Primeiro porque, na maior parte das vezes basta que o trem avance uma única estação para que entre alguém que deve pode fazer uso e, em segundo, porque ainda posso me dar ao luxo de permanecer em pé sem que o andar do metrô me arremesse ao chão.
Hoje mesmo, no dia em que escrevo esse texto, seguia eu para o trabalho e precisei ir de metrô. Tão logo entrei fiquei feliz por não estar lotado, embora sem que houvesse algum lugar livre para me sentar. Acomodei-me em um canto qualquer e constatei que todos os assentos preferenciais mais próximos estavam ocupados por pessoas jovens, não gestantes e sem crianças, de colo ou não. Praticamente todas estavam fingindo dormir. Pensei, por um instante, se achavam que isso as tornava invisíveis, mas por óbvio que o problema é bem outro.
Assim que o metrô parou na próxima estação, desconfiei que o fizera no horário de saída de alguma convenção da terceira idade, já que o vagão foi praticamente tomado por idosos. Alguns deles nem olharam para os assentos aos quais tinham direito e foram encontrando um lugar para se apoiarem, sem qualquer aparente expressão de desconforto. Outros, pela fragilidade da idade muito avançada ou das condições de saúde, olhavam com olhares aflitos para as cadeiras azuis, desejosos de que alguém fizesse a gentileza de desocupá-los. Uma mulher, entretanto, chamou especialmente minha atenção. Creio que fosse idosa em termos jurídicos, mas não aparentava qualquer limitação física, estando muito bem vestida e equilibrada sobre um salto alto.
A mulher entrou no vagão e literalmente foi para cima de uma moça que “cochilava” impunemente. Deu-lhe um cutucão e apontou para o aviso de Assento Preferencial. Sem muito constrangimento e com má vontade, a moça se levantou o mais devagar que pode e imediatamente o lugar foi ocupado pela impaciente “idosa”. Sentada, abriu um livro e começou a ler, despreocupadamente. Na frente dela, uma velhinha, de cabelinhos brancos, calcando sapatilhas desgastadas, segurava-se na barra lateral. Um rapaz que estava sentando em um assento convencional logo se levantou e ofereceu o lugar para ela que, com um olhar firme, voltado para a “colega” que seguia sentada e alheia aos demais, agradeceu e disse que não precisava, pois já ia descer na próxima estação.
Desci na mesma estação que ela e notei que caminhava bem lentamente, até com alguma dificuldade. Fiquei pensado, refletindo sobre a cena que presenciei, que há muita gente mal educada no mundo, mas principalmente que há uma diferença abissal entre ser idoso e ser velho. Aquela senhorinha, com certeza, não era velha. Já a outra...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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