PAZ - Blogue luso-brasileiro
Segunda-feira, 29 de Fevereiro de 2016
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - NAS ENTRELINHAS DO METRÔ

 

 

 

 

 

 

 

 

Cinthya Nunes Vieira da Silva.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

            Desde que me mudei para São Paulo passei a ser uma usuária frequente do metrô. Semanalmente eu me utilizo desse meio de transporte ao menos umas quatro vezes. É o meu meio de transporte coletivo preferido. Ainda que deixe a desejar em alguns aspectos, tenho sorte de não precisar dele nos horários de pico e assim, acabam sendo bem raras as vezes nas quais eu o encontro lotado.

            Aqui nessa cidade colossal eu tive (e ainda tenho!) dificuldade de me locomover de carro, se estiver ao volante. É que meu senso de direção, de localização veio com defeito de fábrica e como os recalls não estão disponíveis para o modelo “gente”, acaba que, para certos destinos, nem GPS me salva. Começa que me atrapalho ao ficar olhando para dito cujo e prestar atenção no trânsito. Morro de medo de ser xingada por cometer alguma barbeiragem, mas tenho ainda mais pavor de errar o caminho e ficar perdida.

            A grande questão, em verdade, é essa! Durante alguns anos da minha vida eu vivia na estrada, por conta de trabalhar em uma cidade diversa da qual morava e, não raras vezes, viajava sozinha por mais de 600 quilômetros. Como eu sabia o caminho, tudo era muito tranquilo e sem qualquer tipo de stress. Ou seja, meu medo, nem de longe é de dirigir, mas o de não saber para onde estou indo...

            Assim, quando me mudei para Sampa acabei deixando meu carro meio de lado, cada hora dando uma desculpa para não ter que dirigir sozinha, exceto para locais próximos, cujos percursos eu já havia decorado. Parecia-me (e ainda parece!) que eu podia pegar, por engano, um caminho sem retorno e fosse parar em algum lugar perigoso e, só de pensar nisso o meu coração já acelerava e eu começava a entrar em pânico.

            Quando meu carro foi levado por um marginal bem de frente a minha casa, eu acabei resolvendo não comprar outro e passei a usar bastante o metrô, táxi e meus pés. No metrô eu sei que o caminho nunca muda, rs... Também sei que todas as linhas se cruzam e, se eu errar a estação, basta embarcar de novo, no sentido oposto.

            Desse modo, para além do metrô me permitir a segurança do destino certo, ainda não se prejudica muito com a chuva e nem se incomoda com o congestionamento. Para o meu lado cronista, inclusive, o metrô é uma quase infinita fonte de observações. Não há uma única vez na qual eu não veja algo digno de nota, mesmo que nem sempre sejam boas coisas.

            Nessa semana, por exemplo, eu estava indo para a faculdade logo pela manhã. Entrei no vagão um pouco mais cheio do que de costume, mas nada que fosse desagradável. Mentalmente eu me agradeci por, nesse dia, ter escolhido o metrô para ir trabalhar, já que eu chegaria bem rápido. Quando faltava uma estação para o meu destino, entretanto, o metrô parou. Desligou até mesmo as luzes e uma voz nos avisou de que havia um usuário na linha, razão pela qual ficaríamos ali parados por um tempo. Dez minutos depois e eu já estava em pânico tentando verificar se meu celular tinha sinal, para ver se eu conseguia avisar aos meus quarenta alunos que, embora muito próxima, eu iria me atrasar.

            Além da minha raiva, um tanto egoísta é claro, embora acompanhada de todos os demais que já estavam impacientes, eu fiquei pensando em como era triste que alguém escolhesse dar cabo à própria vida e ainda que escolhesse fazer isso atrapalhando a vida dos outros. No mesmo vagão no qual eu estava havia uma mãe segurando no colo uma criança que aparentemente estava bem doente, submetendo-se a algum tratamento agressivo e era impossível não pensar que, enquanto um lutava para viver, alguém desistira disso...

            Respirei fundo e resolvi que não adiantaria de nada reclamar ou ficar nervosa. Minutos depois o metrô voltou a se movimentar e logo eu estava em sala de aula, cercada de uma moçada bonita e cheia de alegria. Naquele dia, mais tarde, enquanto eu voltava de metrô para casa, fiquei imaginando que enquanto eu me afligia por temer pegar o caminho errado, há almas tristes que sequer tem coragem de seguir adiante, mesmo na segurança de um caminho de idas e vindas...

 

 

CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.  -  cinthyanvs@gmail.com



publicado por Luso-brasileiro às 10:53
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