Já cheguei naquele ponto no qual temo ser repetitiva e, assim, não sei se já contei essa história, mas tenho a impressão de que não. De toda forma, pensando em algumas coisas que marcaram minhas últimas semanas, foram esses os fatos e sentimentos que me vieram à mente.
Quando criança, meus avós maternos, durante um certo período tiveram uma fazenda no Estado do Mato Grosso, próxima à cidade de Cuiabá. Em uma das visitas que fizemos, descobri que criavam patos e marrecos. Louca por animais desde sempre, criei e alimentei a ideia de que seria muito legal se eu também pudesse ter patos e marrecos. A logística, contudo, era um pouco complicada, pois havíamos viajado de avião e de trem até lá e levar um pato junto não seria simples ou até possível.
Minha avó sugeriu que eu levasse ovos de patas e marrecas e levasse para que as galinhas que eu criava na casa da minha avó paterna pudessem chocar. Segunda ela, daria certo, sendo uma prática até comum. No dia da partida, lá ia eu com uma dúzia de ovos meticulosamente embalados, um a um, com jornal. Colocados em uma caixa, eu os levava como meus tesouros, ansiosa em conhecer meus patinhos e marrequinhos.
Passei a viagem segurando-os como se os pudesse, eu mesma, chocar. Cuidei para que não quebrassem, para que não balançassem e agora, mais de três décadas depois, fico me perguntando como me deixaram levá-los no avião, no meu colo, mas, na época, essa preocupação não estava no meu rol de pensamentos.
Os ovos chegaram íntegros e foram colocados sob galinhas especialmente selecionadas para a especial tarefa. Contei todos os dias, minutos e segundos, mas a despeito de todo meu cuidado, apenas um patinho veio ao mundo. Amarelo, manso, ele era cuidado pela mãe galinha e admirado por todos. Ganhou uma bacia de água para nadar e mil projetos de construção de uma mini lagoa...
Menos de uns dois meses, entretanto, talvez em um rompante de ciúmes, uma galinha malvada bateu nele até que o matou. Todos ficaram tristes, sobretudo eu e minhas irmãs, encantadas que estávamos com o patinho. Não fazia sentido ele morrer daquele jeito. Não depois de tudo que eu havia feito e sonhado. Senti tanta dor, daquela de quem ainda não havia perdido ninguém importante antes disso, que prometi a Deus que eu ia crescer, estudar medicina e que acharia a cura para morte. Simples assim. Tudo que eu teria que fazer era crescer e estudar. No mais, eu resolveria.
O tempo passou e eu continuei me revoltando com as despedidas sem sentido, com a morte que só fazia magoar e levar embora as pessoas e as criaturas amadas. Entendi que não havia cura para morte. Não uma cura terrena. Desisti da medicina. Desisti da veterinária. Eu não queria lutar em desvantagem eterna. Parti para o Direito, pois ainda seria possível, vez ou outra, vencer disputas humanas, passageiras. O importante não seria vencer, mas ter a chance de fazê-lo. Com a morte, não há braço de ferro que se alongue.
Nunca mais tive outro patinho, mas jamais pude me esquecer daquele e da saudade que ele me deixou. Eternizado na minha memória e talvez na memória de quem se dê ao trabalho de ler esse texto, ele deu importantes lições, mesmo sem saber. Talvez, por conta dele, em uma sequência de acontecimentos posteriores, eu também tenha resolvido escrever, pois apenas e tão somente na ficção é que se faz possível o impossível.
Na história que reescrevo, o Patinho cresceu, nadou, foi feliz e, um dia, simplesmente sumiu desse mundo, indo morar ao lado de todos que o tempo levou para o Céu do meu coração...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.
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