Por algumas razões que até já ousei pontuar em outros textos, escolhi a cidade de São Paulo como meu ponto de chegada. Aprendi que aqui as coisas não são necessariamente piores do que em outras cidades, mas ficam mais evidentes, no mínimo. Contudo, embora tenha aprendido a gostar muito desse lugar, há muitas coisas que me deixam sempre pensativa, oscilando entre a tristeza e a revolta.
Uma das situações que mais me assusta é o descaso dos governantes e mesmo da população de um modo geral. Há sujeira e miséria para todo lado, sobretudo em algumas regiões. Trabalho no centro da cidade e não consigo deixar de me espantar com a quantidade de lixo que ocupa todas as calçadas, bueiros e ruas. As pessoas descartam seus papéis de bala, restos de alimentos, bitucas de cigarro e toda espécie de lixo, como se fosse a coisa mais normal do mundo. A cidade, assim, agoniza um pouco mais a cada dia, desamparada e moribunda.
Assim, dia desses, como tento fazer todos os finais de ano desde que me mudei para cá, fui até o centro da cidade para comprar alguns artigos para a ceia de Natal, no Mercadão Municipal e, para isso, servi-me do metrô, seguindo a pé por outro tanto do caminho. Foi-me impossível não notar na sujeira das ruas e na inacreditável quantidade de desabrigados dormindo enrolados em papelão ou envoltos em cobertores puídos e encardidos. A visão de tantas pessoas perdidas em meio à sujeira, às drogas e à criminalidade, entristece em muito meu coração. Sei que ali há gente de todo tipo e que, por certo, alguns se encontram em tal situação por conta de escolhas equivocadas, mas mesmo assim eu não consigo achar normal a normalidade da classificação “gente de rua”...
Segui o meu caminho, comprei o que precisava e fui até a igreja que fica no Mosteiro de São Bento, igualmente no centro da cidade. Para quem nunça esteve lá, além de uma construção belíssima, há, dentro do mosteiro, uma loja de iguarias da confeitaria, com a venda de pães, bolos e geleias feitas pelos monges. Cada bolo, por exemplo, além de elaborado a partir de ingredientes finos, vem em embalagens tão bem feitas e de bom gosto que tornam os produtos verdadeiras obras de arte, tanto visual como culinariamente.
Há alguns anos eu costumo incluir ao menos um desses bolos entre as coisas que levo aos meus pais e irmãs para os comes de fim de ano. A questão é que, embora maravilhosos, os bolos não são baratos. Não digo que não valem o valor cobrado, mas não é algo acessível a todos. A grande maioria das pessoas que frequentam a igreja ou que vivem nos arredores, por exemplo, não tem condições de adquirir o que ali é vendido.
Não estou afirmando que seja imoral os monges venderem coisas caras, ainda que seja comida, pois não sei qual o destino do dinheiro que resulta dessas vendas e que pode muito bem ser a caridade, mas eu não consigo deixar de achar que há algo errado em uma cidade, em um país, no qual alguns pedem esmola na frente da igreja e lá dentro se vende o que poucos podem comprar. Não dá para dizer que não há uma desigualdade social abissal...
Comprei meu bolo de pistache e especiarias e, assim que saia da igreja, os sinos começaram a badalar. Por alguns minutos eles tocaram alegremente, abafando os ruídos da cidade. Pensei em como deveria ser há algumas décadas e se as árvores, rios e ausência dos odores do descaso seria capaz de acalmar não apenas o meu, mas os corações de quem por ali estivesse.
Amo São Paulo e gostaria de vê-la menos suja e poluída. Gostaria que viver o suficiente para ver uma cidade mais bonita e com, no mínimo, um serviço social mais atuante, um governo que realmente se procurasse com os cidadãos que precisam de ajuda e não apenas em pintar ciclofaixas... Enquanto isso, sigo pensando em por quem os sinos dobram...
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com
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