O Natal é uma época de encanto, mas também de saudade. O grande autor português Fernando Pessoa já sabiamente indicava: “Natal... Na província neva./ Nos lares aconchegados,/ Um sentimento conserva/ Os sentimentos passados”.
Efetivamente, recordamos dos nossos entes queridos, alguns já em outra dimensão; os encontros familiares que gradativamente acompanhavam o nosso crescimento; do presépio e da árvore de Natal montados na sala da casa; dos presentes, embora modestos, mas dados com muito amor e dentro das possibilidades econômicas da época. Pessoalmente também vem à memória os passeios pelas ruas e vitrines das lojas enfeitadas; do boneco de Papai Noel da extinta Loja Magalhães em Jundiaí, que subia e descia constantemente; das missas do Galo irradiadas por meu pai, Com. Hermenegildo Martinelli e dos sermões afins de Frei Clemente; das grandes festas realizadas para os seus empregados nas dependências da CICA e de Waldemar Cortz, que encarnava o personagem Noel de forma simpática e serena, fazendo a alegria das crianças.
É bem verdade que a espiritualidade e o sentido natalinos estão sendo ofuscados muitas vezes pelos apelos mercantilistas e pela alegria consumista que tentam imprimir à ocasião. O Natal, porém, tem resistido a todos esses mecanismos mostrando que suas mensagens, para uns tristes e para outros alegres, persistem apesar de qualquer manipulação de seus símbolos. Sua mística continua envolvendo as pessoas, sobretudo num clima de poesia e ternura, propiciando ainda uma boa oportunidade de reavaliação do que efetivamente são valores e virtudes. Olavo Bilac descrevia: “Natal! Natal!/Em toda a natureza/Há sorrisos e cantos, neste dia.../Salve Deus da humildade e da pobreza/Nascido numa pobre estrebaria”.
Frutos da ganância, do egoísmo e do poder, são inúmeros os acontecimentos e os comportamentos que demonstram o desvirtuamento de princípios básicos, gerando manifestações de desânimo e derrotismo daqueles que ainda sonham, buscam e lutam pelo bem comum, felizmente afastadas pelo empenho na concretização de seus ideais. Desta forma, o sentido mais profundo do Natal precisa ser cultuado no pensamento e no coração das pessoas: que o ser humano é o valor máximo a ser respeitado, resgatado e conduzido à felicidade, devolvendo a todos o direito de viver e de participar dos bens terrenos. “A desigualdade social, a pobreza, a miséria, a fome não são vontade de Deus, mas fruto da forma como os homens organizam a sociedade” (Dom Cláudio Hummes).
Com certeza, não é fácil comemorar esta data, mas também não é impossível fazê-la da forma mais coerente com os seus próprios preceitos, que vão se modificando com o passar dos anos, mas não perdem a essência. Tanto que em 1901, Machado de Assis já proclamava em seu “Soneto de Natal”: “Um homem, — era aquela noite amiga,/Noite cristã, berço no Nazareno, —/Ao relembrar os dias de pequeno,/E a viva dança, e a lépida cantiga,/Quis transportar ao verso doce e ameno/As sensações da sua idade antiga,/Naquela mesma velha noite amiga,/Noite cristã, berço do Nazareno./Escolheu o soneto... A folha branca/Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,/A pena não acode ao gesto seu./E, em vão lutando contra o metro adverso,/Só lhe saiu este pequeno verso:/ "Mudaria o Natal ou mudei eu?".
Depois de muita reflexão, vale dizer que o Natal deve estar presente em nossas vidas, buscando primordialmente fortalecer a comunhão dos homens.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. É vice-presidente da Academia Jundiaiense de Letras e da Academia Jundiaiense de Letras Juridicas.
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