O carnaval é tido como espetáculo folclórico, diversão popular e até catarse coletiva, existindo inúmeras palavras ou expressões que o definem. O fato é que em alguns países, como o Brasil, tornou-se uma grande festividade nacional e popular. Historiadores e sociólogos não têm uma única teoria para explicar a importância que ele passou a ter para os brasileiros, mas todos concordam que ele promove uma ruptura provisória da hierarquia social, com ricos e pobres, homens e mulheres, adultos e crianças transgredindo ou dissolvendo símbolos de gênero, poder ou classe. No entanto, ele sempre teve beleza poética, exibições artísticas e riqueza rítmica.
Além do mais, durante muitos anos serviu como instrumento de demonstração de cidadania e de participação, possibilitando aos foliões, através de marchas, fantasias e outros aspectos típicos criticarem a sociedade em geral, principalmente as atitudes negativas de alguns políticos e protestarem contra determinadas situações. Nessa trilha, transcrevemos trecho de editorial do jornal “A Tribuna” de Santos (04.02.2008-A2): “Para além do simples divertimento descompromissado, que constitui a sua verdadeira essência, no Carnaval, alguns aspectos a destacar. Um deles são as manifestações do senso crítico da população. Desde os seus primórdios, o Carnaval serviu para extravasar sentimentos coletivos, seja na forma da critica dos costumes, seja como expressão de desagrado em relação ao establishment e aos seus barões. A ferroada ferina, mordaz, implacável, a exacerbação do ridículo dos fatos e das pessoas, notadamente das pessoas poderosas ou que estejam em evidência, sempre foi uma das marcas registradas da folia...”.
O antropólogo Roberto DaMatta, autor de “Carnavais, Malandros e Heróis”, publicada em 1979, coloca o período carnavalesco como um ritual de inversão de papéis, ou seja, no cotidiano o Brasil é um universo dividido entre o mundo da rua – baseado em leis universais, numa burocracia antiga e fortemente ancorada e num formalismo legal-jurídico quase absurdo – e o mundo da casa – fundado na família, na amizade, na lealdade, na pessoa e no compadrio. No reinado de Momo,prevalece um estado de que vale quase tudo. Na visão do saudoso Darcy Ribeiro, “o nosso povo é tão sacrificado, que alenta e comove a todos” e que manifesta uma “inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade”.
Atualmente, no entanto, essa fusão de mundos, talvez seja válido ainda nos lugares onde o Carnaval é tão forte quanto intenso, levando todos às ruas, como no Recife, Olinda ou Salvador. Em outros lugares, prevalece só o espetáculo, destinado à contemplação, como nos desfiles do Rio de Janeiro. O Carnaval está se transformando num período de descanso – um feriado prolongado, como tantos outros – onde, quando muito, se assiste aos desfiles das escolas de samba pela televisão, numa nítida constatação que estamos perdendo esse pequeno espaço de superação das desigualdades.
Por outro lado, a sociedade se transforma a cada geração, incorporando novos hábitos às tradições que se modificam ao sabor das novidades e da forma como as pessoas se relacionam. Cabe a cada grupo determinar as vantagens de estabelecer comunicação em todos os níveis, respeitando-se os limites do bom senso e da convivência saudável. Efetivamente mudou o Carnaval e talvez nós tenhamos mudado também. Alguma coisa se perdeu e como não foi dado conta, pelo gradativo da alteração, não houve como reaver. Ainda que as tentativas de resgate sejam válidas, importantes. Na década de 70, sem que diminuísse sua força, a marcha carnavalesca, ora fazendo críticas aos políticos e aos costumes, foi deixada de lado pelos grandes meios de comunicação como o rádio e a televisão.
Outro aspecto que o diferencia no presente é o significado exacerbadamente econômico que prevalece no Carnaval. É uma gigantesca engrenagem que se movimenta pelo País inteiro, a estimular negócios e a gerar empregos e renda para não pouca gente, deixando bastante de lado o simples divertimento descompromissado, que se constitui a sua verdadeira essência. E apesar de todas essas circunstâncias, de um jeito ou de outro, que fique um pouco de Carnaval em nossos corações e que aquela infantilidade gostosa de outrora não se perca de vez.
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é adgovado, jornalista, escritor e professor universitário. É presidente da Academia Jundiaiense de Letras (martinelliadv@hotmail.com).
OS MEUS LINKS