Um caminho mais produtivo para substituir o preconceito seria canalizá- lo construtivamente para tornar o deficiente independente tanto quanto a si próprio, como consequentemente em relação à sociedade. Talvez seja este o caminho para atingir um degrau a mais na evolução do desenvolvimento e integração da pessoa portadora de deficiência. Celebrações como a do Dia Internacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência – 21 de setembro - revestem-se de suma importância para refletirmos sobre importantes questões de cidadania que afetam tais indivíduos e que não podem mais ser tidas, como de puro assistencialismo, mas sim de Justiça e Dignidade.
O Procurador da República em São Paulo, Luiz Alberto David Araújo, em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, certa vez, conclamou as pessoas portadoras de necessidades especiais a lutarem para exterminar o verdadeiro exílio a que estão relegadas: “mas para garantir os direitos previstos na Constituição é necessário que os deficientes se organizem em entidades próprias e tentem, via Judiciário, a sua implementação”. As entidades podem entrar com ação civil pública contra o Estado para reivindicar, por exemplo, que parte da programação televisiva se destine ao surdo ou mandado de injunção, pretendendo que a Justiça determine ao Legislativo que regulamente os direitos constitucionais, circunstância até hoje utilizada para justificar o atual quadro de intolerável de discriminação.
Por outro lado, a Lei Maior determina que as ruas, os edifícios públicos e os veículos de transporte coletivo sejam adaptados para garantir o acesso adequado dessas pessoas. Entretanto, como já destacamos por diversas vezes, os próprios prédios públicos continuam a ser construídos desrespeitando-se tais exigências. Os telefones públicos são instalados em cabines onde não entram cadeiras de rodas ou em orelhões nos quais os cegos não conseguem utilizá-los. Não há número suficiente de ônibus adaptados em linhas regulares. Tais aspectos, reitere-se, revelam um manifesto desrespeito gerado pela insensibilidade da maioria dos indivíduos que integram a Administração Pública em todos os níveis e da população em geral, que não cobra nem reivindica determinadas conquistas sociais já adquiridas, colocando os deficientes, muitas vezes, como cidadãos de segunda classe, negando-lhes as mais elementares aspirações, como as de ir e vir, de estudar e trabalhar.
Além do esquecimento pelo Poder Público, prevalece uma visível discriminação no mercado de trabalho e no próprio convívio social, apesar de existir uma lei específica que garanta para determinado número de empregados vagas proporcionais aos portadores de necessidades especiais. Por outro lado, dispõe a Carta Magna que é proibida qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador deficiente e a Lei 7.853 de 24 de outubro de 1989 tipificou como crime esse tipo de preconceito. De acordo com o seu artigo 8.°, constitui delito punível com reclusão de um a quatro anos e multa “negar emprego, sem justa causa, a alguém, por causa de sua deficiência”. Essa norma, no entanto, não tem produzido efeito. Tanto que, pelo atual sistema de cotas, uma estimativa conservadora indica que as empresas brasileiras teriam de contratar imediatamente cerca de 600 mil portadores de deficiência, habilitados ou capacitados para cumprir lei específica. Onde encontrá-los? Esse problema só pode ser resolvido, é claro, por meio de programas que ampliem o seu acesso à educação e à formação profissional. Nessa trilha, ressalte-se, os deficientes mentais são os que mais encontram dificuldades para arrumar emprego, apesar da predisposição para realização de serviços repetitivos. Os surdos, em contrapartida, têm mais facilidade para os que exigem quantidade maior de concentração. Os paraplégicos demonstram grande interesse por computação. Já os cegos são cotados para funções onde o sentido de tato é mais exigido. Entretanto, os deficientes visuais já são maioria nas empresas de telecomunicação, onde trabalham como operadores de “pager”.
É por isso que a celebração a 21 de setembro do DIA INTERNACIONAL DE LUTA DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA se reveste de grande importância. Constitui-se num instrumento de meditação para tornar o deficiente independente tanto a si próprio, como em sua relação com a sociedade. Um evento criado para se buscarem alternativas visando o alcance de alguns degraus a mais na evolução do desenvolvimento e integração da pessoa portadora de deficiência. Os problemas enfrentados por cidadãos nestas condições são inúmeros, como sabemos. Resta-nos tentar soluciona-los, estabelecendo o verdadeiro respeito à legislação e em especial a Constituição Federal.Afirmamos constantemente que seria tão mais lógico e solidário acabar com qualquer espécie de preconceito, assegurando-lhes uma vida auto-suficiente e participação na comunidade para que possam crescer, serem vistos, valorizados e mostrarem sua capacidade. “A deficiência é a não eficiência em alguma coisa e, nesse sentido, todos nos encaixamos dentro deste conceito, porque ninguém é capaz de ser eficiente em tudo e, ao mesmo tempo, não existe uma pessoa que não seja deficiente em pelo menos alguma coisa” (HILDA ALOIS, professora da PUC-SP)
JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário (martinelliadv@hotmail.com)
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